domingo, dezembro 26

À MESTRA COM CARINHO

Comecei esta crônica há alguns meses atrás. Naquela altura, acabara de conhecer o cantor, compositor e instrumentista, Filó Machado. Por diversos motivos, não pude terminar o texto. Outras crônicas foram escritas. Depois disso, o Filó já esteve outra vez, em Belém. Desta feita, para acompanhar e dirigir show da nossa Lucinha Bastos. Espetáculo maravilhoso.
O Filó é um profiissional completo. Como instumentista e arranjador, ele já acompanhou diversos cantores internacionais, nos quatro cantos do planeta. Sua voz lembra a de Milton Nascimento e, cantando jazz, é impressionante o que ele faz com aquela voz. A cantora Elza Soares conta que, certa feita, o imortal Ray Charles disse-lhe que a voz dela, em si, é um instrumento. Para mim, mesmo eu não sendo uma autoridade no assunto para emitir opinião, a voz de Filó é uma orquestra completa.
Pois bem, como todo bom artista, Filó intercala os números musicais com causos ocorridos em sua vida profissional e pessoal. Entre essas histórias, uma me prendeu especialmente. Não só pela singeleza do tema, mas também porque me fez lembrar uma situação semelhante que se deu na minha adolescência. Um tema recorrente, aliás, na literatura e na música.
O Filó conta que havia uma professora de Francês, do colégio primário onde ele estudou que, toda vez que ela passava, deixava um caminho de perfume inebriante. Ele não conseguia ficar parado e seguia aquele rastro e, quando ela entrava na casa dela, ele se deitava no jardim e ficava ouvindo as músicas que ela colocava na vitrola. Eram clássicos, música francesa e outras de qualidade indiscutível. E ele, ali, ficava embevecido, chegando a dormir e a sonhar. Tanto é assim, que Filó atribui o artista que hoje ele é, a esse amor platônico pela professora paixão, que ele viveu na sua adolescência..
O que me lembrou de minha professora de Português, do curso ginasial. Ela era uma linda mulher, além de competente e muito charmosa, Conciliava em seu nome o nome da mãe e do próprio salvador do mundo. Logo, logo, ela se tornou uma paixão coletiva. Todos nós, adolescentes conversávamos sobre a beleza de seu rosto e os contornos daquele corpo, Não perdíamos um só de seus movimentos. Sua candura e a habilidade para ensinar não permitiam que nos dispersássemos nas lições e nos exercícios. Acredito que, como eu, muitos daqueles adolescentes sonharam pelo menos uma vez com a nossa professora favorita, que era de, pelo menos, uma geração antes da nossa.
Certa vez, ao externar minha dificuldade para escrever determinada palavra, ela se colocou ao meu lado e pousou aquela mão aveludada sobre a minha e me ajudou a escrever. Foi uma sensação indescritível. Acredito que eu ruborizei. Minha cabeça foi “a mil” e o resto do meu corpo muito mais. Passei um dia sem lavar as mãos, só prá lembrar a cena e o perfume inebriante que ela usava. A historinha do Filó trouxe essa vivência à minha mente, com toda intensidade.
Mas noutro dia, lá estava ela impávida e imperturbavelmente compenetrada. O que, na minha imaginação juvenil fora um jogo de sedução, revelou-se ter sido uma forma carinhosa de ajuda a um aluno em dificuldade. Bem que eu desejei que não fosse assim. E a minha reação foi a de cada vez mais me aplicar nas leituras, nos exercícios, nas redações e nas interpretações de texto.
Tal como Filó atribui sua expertise em música àquela professora de Francês com quem ele sonhava dormindo ou acordado, prá mim, se eu me tornei um “escultor com as palavras”, como me definiu certa leitora, atribuo créditos àquela mestra de Português, dos tempos em que o exercício do magistério era um sacerdócio e uma arte, a quem eu dedico esta crônica com todo meu carinho.
*Jornalista , advogado e auditor federal de controle externo.
E-mail: octavio.pessoa.ferreira@gmail.com; http://twitter.com/OCTAVIOPESSOAF
http://blogdooctaviopessoaf.blogspot.com/

Nenhum comentário:

Postar um comentário