sábado, abril 17

CANÇÃO PARA HENRY

 

                     Há cada dia somos surpreendidos por fatos trágicos e inexplicáveis nesta verdadeira era das trevas que vivem nosso país e o mundo. Nada mais parece nos surpreender. Mas há fatos que nos abalam ante a sua estupidez e  desumanidade.  Eu coloco nesse rol o assassinato do menino Henry que a mídia divulgou à exaustão desde há duas semanas.

                De outra parte, tive a grata satisfação de ler na mídia impressa e no grupo de whatsapp da Academia Paraense de Jornalismo, o profundo, belo e emocionante texto do confrade de APJ Ernane Malato, que é jurista, escritor e acima de tudo um humanista. Compartilho com meu leitores a:

 

"Em tempo de caos, um convite a contemplar o silêncio"
(Povíncia Marista Brasil Centro-Sul)

     

                                                             CANÇÃO PARA HENRY                                                                                                                                              Ernane Malato

     Por que feriram sua infância, sua inocência, interrompendo o destino que se escrevia? Com que direito interferiram em sua estrada, onde flores e riachos se alinhavam? Que permissão obteve seu algoz para ferir tua arquitetura tênue, em tua constituição delgada e extinguir sua vida que iniciava? 

    Que ousadia foi essa, a de cessar a esperança na sua vida e a sua vida na esperança desta vida? Que autorização foi essa em cruzarem seu caminho e apagarem o sol que começava a nascer? Que atrevimento foi esse o de riscar de sua existência tantas coisas naturais e permitir a invasão de outras tão descomunais? Com qual liberdade alteraram seu futuro, violaram seu presente e soterraram teu passado? 

    Por que cruzaram seu caminho, sua estrada, sua rota, os seus sonhos e a sua felicidade que ainda se formavam? Por que tiraram da sua vida várias vidas, várias idas, tantas voltas que haveriam e oportunidades que sobrevoavam? A título de quê? 

    Que monstruosidade cruzou sua felicidade que ninguém havia sido autorizado a violar? Qual a fera que ultrapassou o seu sagrado umbral, rompendo seu egrégio templo que o Criador elaborou, preservado por milênios pela esfinge guardiã da existência embrionária? Quem decepou as asas dessa ave que se preparava para voar? Que agouro invadiu seus campos férteis, contaminando o pólen que alimentava o verde dos teus céus floridos e o azul de tuas probabilidades infinitas? 

Sua pureza, seu sorriso, seus brinquedos, seus desejos, sua fome, seus murmúrios, suas queixas, suas dores, seus horrores e seus gritos, ultrapassam a sanha da brutalidade que avançava sobre sua luz que ofuscou a escuridão de quem chegava. 

Serafins, querubins e arcanjos de outra faixa universal, estremeçam! Miguel, Gabriel, Rafael, Salatiel – intermediários entre humanidade e divindade – desembainhem vossas espadas! Cumpram vossos ofícios! Enfrentem o Cérbero! Decepem a medusa! Escancarem os portões sagrados desse Parthenon! Soprem vossas trombetas douradas para a queda das muralhas da absurdez! Abriguem a inocente ave que aterrissa em vossas acrópoles! Mantenham sua chama acessa para que ilumine essa história!  

A ferocidade não detém o poema, nem a homenagem que o mesmo realiza no momento em que tantas vidas também partem. Não impede a palavra da transformação, a incontinência da expressão contida, nem o grito de protesto da inconformação retida. O poema não se curva ao que destrói porque enfrenta, luta e reconstrói. 

O poema enfrenta a selvageria da maldade, a insensatez da desumanidade e a demência da obscuridade. Desafia o que desafiou a ordem dos sentidos, a estabilidade da normalidade, a ameaça da aspereza e o temor da carruagem induzida a transportar ovelhas para outra estação. O poema enfrenta a banalidade da maldade porque habita outro mundo que cintila. 

   O poema não se destrói nem é destruído pelo que destrói. Não persegue, sobrevive. Se renova a cada opressão que se desenha no arcabouço social. O poema resiste e em cada amanhecer persiste, porque vive na confrontação da ação que ofende a própria vida. Persiste por não permitir violação e destruição por quem insiste em destruir e violentar. Não se cala, não se conforma, não morre e nele sobrevive o que para sempre deve viver. 

O poema não esquece e homenageia a criança que partiu em todos nós, juntamente com outras tantas violentadas pela alienação, pelo abandono, pela fome, pela miséria, pela marginalidade e pela exclusão.


terça-feira, abril 6

MAQUIAVEL, esse injustiçado.

 


    


            Os termos maquiavelismo e maquiavélico, na linguagem corrente, assumiram um significado pejorativo e maldoso. O uso distorcido é tão frequente e aceito, que a palavra maquiavélico constitui verbete em dicionários como sinônimos do que é pérfido, falso, perigoso. É comum a gente ouvir expressões do tipo – “Cuidado! Esse cara é maquiavélico”. Especialmente se for um político.

         Essa associação do que é sórdido, malicioso com o pensamento de Maquiavel encerra uma tremenda injustiça contra o que propôs Niccolo di Bernardo Machiavelli, filósofo e diplomata florentino, cuja obra literária mais famosa é “O Príncipe” (Il Principe), escrita entre 1513 e 1516 durante o exílio de Maquiavel na França e publicado em 1532, após a morte do autor.

         A distorção do pensamento maquiaveliano decorre de interpretações equivocadas do pensamento de Maquiavel, especialmente em leituras retilíneas que não contextualizam a obra no tempo e no espaço. Na Península Itálica da Renascença (Século XVI) prevaleciam pequenas repúblicas, reinos, ducados, e os Estados Papais que disputavam entre si o controle de territórios. Maquiavel percebia o risco dessa divisão que deixava a península sujeita a invasões por parte das grandes potências europeias. Em “O Príncipe”, ele faz considerações e recomendações ao governante, o Príncipe, sobre como exercer o poder na administração de um país.

         O fundamento da principal obra do intelectual florentino é a distinção entre ordem política e moral cristã, aspecto fundamental para a compreensão da forma dele ver a realidade. Em função dessa análise, ele dá sugestões para a sustentação do poder político institucionalizado.

         À época, os Estados se sustentavam na representação política da classe burguesa que financiava o Estado, representante dos seus interesses econômicos, políticos e ideológicos, reivindicando inclusive o uso legítimo da força. E também na religiosidade cristã que exercia papel crucial na manutenção da ordem social, no comportamento coletivo, influindo significativamente na forma de agir do governante.    

         Maquiavel concorre para o rompimento dessa visão embasada na religião dominante. Em “O Príncipe”, o sábio florentino inovou propondo objetivamente a distinção das ordens política e religiosa, sustentando a separação da política em relação à religião e encarando a política como um campo orgânico, autônomo e distinto da religiosidade, que não deve ser superior ao Estado.

         Essa visão da realidade contrariava poderosos interesses principalmente os da igreja católica. Daí passou-se a usar o termo “maquiavélico” a tudo de mal ou cheio de subterfúgio. É a incompreensão da essência do que propôs Maquiavel: a autossuficiência do poder político do Estado.

Em sua mais conhecida obra, Maquiavel abordou o modo de compreensão do poder político e seus efeitos. A leitura da obra despida de visão preconceituosa induz a que é de responsabilidade do governante a definição de rumos para o Estado. Sendo dele e dos operadores da política o dever de melhor promover a ordem institucional e a paz coletiva.

Não bem compreendidas e se afirmadas fora de contexto, as ideias de Maquiavel podem ser e são frequentemente deturpadas. Em momento nenhum a expressão "os fins justificam os meios", frequentemente atribuída a Maquiavel é encontrada no livro “O Príncipe”. As lições de Maquiavel recomendam aos governantes a maneira adequada para o sucesso de um governo.

Nascido em Florença, em 3 de maio de 1469, filho de Bernardo e Bartolomea di Nelli, uma família toscana, Maquiavel iniciou seus estudos aos sete anos, uma fraca educação básica, até por ser de uma família pobre. Adulto, ele se tornou um dos grandes pensadores renascentistas, com formação humanista. Formado pela Universidade de Florença, antes

30 anos assumiu a função de secretário da Segunda Chancelaria, importante instituição do governo de sua terra natal. No exercício dessa função diplomática ele elaborou tratados e alianças com outros países e consolidou suas qualidades administrativa e governamental.

Ele serviu em Florença por 14 anos. Com o retorno ao poder do governo destituído, Maquiavel foi demitido em 7 de novembro de 1517, acusado de conspiração. Foi preso e torturado o que o levou a se exilar na França, onde fez profunda reflexão sobre tudo o que viveu e presenciou, e escreveu suas principais obras, inclusive “O Príncipe”. De retorno à sua Florença, ele passou a viver recluso e faleceu em 21 de junho 1527.

Além de “O Príncipe”, Maquiavel também escreveu “Relatos sobre os fatos na Alemanha”, “Retrato das coisas da França” e “Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio”. No campo da dramaturgia, ele escreveu diversas peças teatrais, sendo a mais famosa, “A mandrágora”, protagonizada pelo jovem Calímaco apaixonado por Lucrécia, casada com o doutor Messer Nicia. Em cinco atos Maquiavel satiriza a corrupção da sociedade italiana.

“O Príncipe” encerra uma teoria do Estado moderno, daí Nicolau Maquiavel ser considerado o pai da Ciência Política Moderna.

 

O autor é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/ Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo.

* Publicado no jornal eletrônico Ver-O-Fato no dia 2 de abril de 2021.


segunda-feira, abril 5

TEM JABUTICABA NO MEIO DO CAMINHO. CUIDADO!

 


         Não escorregue nem tropece. Muita gente desprevenida comete essa imprudência. Talvez embevecida pela mensagem dos textos que lê, por pressa ou por acreditar que o Dr.Google é infalível, faz afirmações questionáveis. Pra dizer o mínimo.

         É o caso daquele texto que volta e meia a gente lê por aí, sob o título O tempo e as jabuticabas, atribuído a Rubem Alves, ou O valioso tempo dos maduros, mencionando Mário de Andrade como seu autor.

A beleza e a profundidade do texto é indiscutível. Ele trata da atitude madura de não nos importarmos com as coisas irrelevantes da vida, à medida que a gente vai acompanhando as voltas que o mundo dá e conclui que realmente prender-se às coisas pequenas ou ilusórias só atrapalha nossa felicidade.

         Com pequenas variações, dependendo do gosto de quem o posta, o conteúdo do texto que pulula na Internet é mais ou menos este:

         Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora.

Tenho mais passado do que futuro…
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas…

As primeiras, ele chupou displicente… mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço…

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades…

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis…

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que,
apesar da idade cronológica, são imaturas…

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…

As pessoas não debatem conteúdos… apenas os rótulos…

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos…
quero a essência… minha alma tem pressa…

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços…
não se encanta com triunfos…
não se considera eleita antes da hora…
não foge de sua mortalidade..

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade…

O essencial faz a vida valer a pena…
e para mim basta o essencial…

 

Há fortes razões para se afirmar não ser o texto de Rubem Alves e muito menos de Mário de Andrade.

A atribuição a Alves provavelmente é em razão dele ter um livro intitulado Do universo à jabuticaba, editado em 2010, pela Editora Planeta do Brasil Ltda., São Paulo/SP.


Nessa obra, Alves após introduzir na epígrafe aforismos de Neruda, Nietche e Fernando Pessoa, afirma que sua vida se divide em três fases “Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo e era habitado por deuses, verdades e absolutos. Na segunda fase meu mundo encolheu, ficou mais modesto e passou a ser habitado por heróis revolucionários que portavam armas e cantavam canções de transformar o mundo. Na terceira fase, mortos os deuses, mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos, meu mundo se encolheu ainda mais e chegou não à sua verdade final mas à sua beleza final: ficou belo e efêmero como uma jabuticaba florida”.

Sem dúvida, o conteúdo do texto itinerante se assemelha, no essencial, à profunda mensagem colocada por Alves sob a rubrica “Minha Vida...”. O que não faculta ao compilador ou a quem o reproduz atribuir a autoria do texto ao mineiro de Boa Esperança. Mas os desavisados aceitam como verdadeira a autoria de Alves e replicam e treplicam especialmente nos meios eletrônicos.   

Mais improvável ainda é o texto ser de Mário de Andrade. Escritor da primeira fase do Modernismo Brasileiro que teve papel importantíssimo nessa fase crucial da Literatura brasileira, Andrade inovou absorvendo os valores e a linguagem das culturas periféricas como a amazônica, mas ele não era dado a temas de natureza existencial como fazia Alves.

Há no entanto um texto menos conhecido no mundo das letras que penso ser o “pai” daquele que é replicado à exaustão e atribuído a autores que não o escreveram. Trata-se de O Tempo que Foge, de Ricardo Gondim, pastor e presidente da Igreja Evangélica Betesda, sediada em São Paulo, e também do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos.

Autor de diversas obras, Gondim publicou em 2007 pela Editora Ultimato Ltda, de Viçosa/MG, o livro Eu creio, mas tenho dúvidas- A graça de Deus e nossas frágeis certezas, que em suas páginas 102 a103 traz:

TEMPO QUE FOGE


“DESCOBRI QUE TEREI menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicentemente, mas percebendo que faltavam poucas, passou a roer o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sortes.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com propostas de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembleias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e se perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, para “tirar a limpo”. Detesto fazer acareações de desafetos que brigam pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Gosto e ponto final! Lembrei-me de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar explicando se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia de Chico Buarque e de Vinícius de Moraes; a voz de Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, de Thomas Mann, de Ernest Hemingway e de José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”, não foge da sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessa pessoas nunca será perda de tempo.”


 

O autor, Octávio Pessôa, é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/. Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo.

 


sábado, março 6

ENTRE DUAS GUERRAS

 



         É sui generis a realidade que vivemos. Duas guerras se desenvolvem simultaneamente. Guerras contraditórias e complementares.

         De um lado a guerra do mundo da ciência contra um inimigo invisível, o Covid-19, o vírus que provocou a maior alteração no nosso modo de viver e de interagir com a realidade, que agora se acentua e se diversifica ante as mutações do vírus original.

Com o surgimento do inimigo, num curto espaço de tempo vacinas foram desenvolvidas e testadas nos países mais avançados. Com a validação das vacinas pelas instituições acreditadas, elas passaram a ser aplicadas de forma racional e inteligente na maioria dos países especialmente os do primeiro mundo. E os que tinham condições de fazer e não o fizeram em tempo por motivos inconfessáveis, como é o caso os Estados Unidos, depois tiveram que correr atrás do prejuízo. No Brasil as vacinas foram adotadas depois de muita relutância dos poderes decisórios, sob pressão dos cientistas e da imprensa. Ainda assim, a adoção se deu de forma lenta e relutante, após muita negação da validade do uso da vacina. Isto nos levou à realidade que ora vivemos.

Nesse contexto de pandemia, médicos e paramédicos dedicaram-se e dedicam-se a socorrer as vítimas do terrível vírus, honrando o compromisso de consagrar a vida a serviço da humanidade, à saúde e ao bem-estar dos pacientes.    

A luta é inglória. Esses profissionais são também seres humanos. Sofrem os efeitos das longas jornadas, da estrutura deficiente da maioria dos hospitais brasileiros e do natural cansaço decorrente das condições em que trabalham. Levantamento do Conselho Nacional de Medicina, de outubro do ano passado, revela que até então 58 profissionais haviam morrido em São Paulo. O Estado do Pará vinha em segundo lugar com a perda de 51 discípulos de Hipócrates e o Rio de Janeiro com 50. É certo que a esta altura, março de 2021, esses números estão defasados.

Ainda assim, médicos e paramédicos continuam na sua messe, deixando a família em segundo plano, muitas vezes com filhos pequenos e pais idosos. Quase não tem mais vida social. Enfim, é uma luta sem equilíbrio entre as partes contendoras.

Na contramão disso, desenvolve-se uma guerra paralela com o sinal trocado, estimulada por quem deveria defender a população.

Em primeiro lugar pelo negacionismo leviano e renitente que prevaleceu por largo tempo. A virose seria apenas uma gripezinha. Mediante o afastamento do staff governamental de auxiliares sintonizados com a ciência. Com a negação da importância do uso de máscaras em locais públicos e pelo mau exemplo, estímulo velado ou ostensivo às turbas enfurecidas que apregoam a desestabilização dos poderes da República. Pelo esvaziamento dos setores sociais como Educação e Saúde, com a designação de ministros que nada entendem dos assuntos da respectiva pasta. E altos investimentos na indústria de guerra e facilitação da venda de armas à população, viabilizando o incremento das milícias que já dominam extensos territórios nas capitais e grandes cidades brasileiras. Além da formação de grupos paramilitares acionáveis num estalar de dedos.

Esta guerra é tão perniciosa quanto a dizimação causada pelo Coronavirus, que infelizmente vai continuar matando a população. Com uma particularidade, agora o andar de cima da pirâmide social também está sendo atingida, ao contrário da fase inicial em que as vítimas eram muito mais os brasileiros das classes menos favorecidas.

                                                                                                      

Octávio Pessôa é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/ Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo.