Os termos maquiavelismo e maquiavélico, na linguagem corrente, assumiram um significado pejorativo e maldoso. O uso distorcido é tão frequente e aceito, que a palavra maquiavélico constitui verbete em dicionários como sinônimos do que é pérfido, falso, perigoso. É comum a gente ouvir expressões do tipo – “Cuidado! Esse cara é maquiavélico”. Especialmente se for um político.
Essa associação do que é sórdido, malicioso com o pensamento
de Maquiavel encerra uma tremenda injustiça contra o que propôs Niccolo di
Bernardo Machiavelli, filósofo e diplomata florentino, cuja obra literária mais
famosa é “O Príncipe” (Il Principe), escrita entre 1513 e 1516 durante o exílio
de Maquiavel na França e publicado em 1532, após a morte do autor.
A distorção do pensamento maquiaveliano decorre de
interpretações equivocadas do pensamento de Maquiavel, especialmente em leituras
retilíneas que não contextualizam a obra no tempo e no espaço. Na Península
Itálica da Renascença (Século XVI) prevaleciam pequenas repúblicas, reinos,
ducados, e os Estados Papais que disputavam entre si o controle de territórios.
Maquiavel percebia o risco dessa divisão que deixava a península sujeita a
invasões por parte das grandes potências europeias. Em “O Príncipe”, ele faz considerações
e recomendações ao governante, o Príncipe, sobre como exercer o poder na
administração de um país.
O fundamento da principal obra do intelectual florentino é a
distinção entre ordem política e moral cristã, aspecto fundamental para a
compreensão da forma dele ver a realidade. Em função dessa análise, ele dá sugestões
para a sustentação do poder político institucionalizado.
À época, os Estados se sustentavam na representação política
da classe burguesa que financiava o Estado, representante dos seus interesses
econômicos, políticos e ideológicos, reivindicando inclusive o uso legítimo da
força. E também na religiosidade cristã que exercia papel crucial na manutenção
da ordem social, no comportamento coletivo, influindo significativamente na
forma de agir do governante.
Maquiavel concorre para o rompimento dessa visão embasada na
religião dominante. Em “O Príncipe”, o sábio florentino inovou propondo
objetivamente a distinção das ordens política e religiosa, sustentando a
separação da política em relação à religião e encarando a política como um
campo orgânico, autônomo e distinto da religiosidade, que não deve ser superior
ao Estado.
Essa visão da realidade contrariava poderosos interesses
principalmente os da igreja católica. Daí passou-se a usar o termo “maquiavélico”
a tudo de mal ou cheio de subterfúgio. É a incompreensão da essência do que propôs
Maquiavel: a autossuficiência do poder político do Estado.
Em
sua mais conhecida obra, Maquiavel abordou o modo de compreensão do poder
político e seus efeitos. A leitura da obra despida de visão preconceituosa
induz a que é de responsabilidade do governante a definição de rumos para o
Estado. Sendo dele e dos operadores da política o dever de melhor promover a
ordem institucional e a paz coletiva.
Não
bem compreendidas e se afirmadas fora de contexto, as ideias de Maquiavel podem
ser e são frequentemente deturpadas. Em momento nenhum a expressão "os
fins justificam os meios", frequentemente atribuída a Maquiavel é encontrada
no livro “O Príncipe”. As lições de Maquiavel recomendam aos governantes a maneira
adequada para o sucesso de um governo.
Nascido
em Florença, em 3 de maio de 1469, filho de Bernardo e Bartolomea di Nelli, uma
família toscana, Maquiavel iniciou seus estudos aos sete anos, uma fraca educação
básica, até por ser de uma família pobre. Adulto, ele se tornou um dos grandes
pensadores renascentistas, com formação humanista. Formado pela Universidade de
Florença, antes
30
anos assumiu a função de secretário da Segunda Chancelaria, importante
instituição do governo de sua terra natal. No exercício dessa função diplomática
ele elaborou tratados e alianças com outros países e consolidou suas qualidades
administrativa e governamental.
Ele
serviu em Florença por 14 anos. Com o retorno ao poder do governo destituído, Maquiavel
foi demitido em 7 de novembro de 1517, acusado de conspiração. Foi preso e
torturado o que o levou a se exilar na França, onde fez profunda reflexão sobre
tudo o que viveu e presenciou, e escreveu suas principais obras, inclusive “O
Príncipe”. De retorno à sua Florença, ele passou a viver recluso e faleceu em 21
de junho 1527.
Além
de “O Príncipe”, Maquiavel também escreveu “Relatos sobre os fatos na Alemanha”,
“Retrato das coisas da França” e “Discurso sobre a primeira década de Tito
Lívio”. No campo da dramaturgia, ele escreveu diversas peças teatrais, sendo a
mais famosa, “A mandrágora”, protagonizada pelo jovem Calímaco apaixonado por
Lucrécia, casada com o doutor Messer Nicia. Em cinco atos Maquiavel satiriza a
corrupção da sociedade italiana.
“O
Príncipe” encerra uma teoria do Estado moderno, daí Nicolau Maquiavel ser
considerado o pai da Ciência Política Moderna.
O autor é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi
locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/ Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em
2020 publicou o romance/documentário Asas
de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é
imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense
de Jornalismo.
* Publicado no jornal eletrônico Ver-O-Fato no dia 2 de
abril de 2021.
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