sábado, março 6

ENTRE DUAS GUERRAS

 



         É sui generis a realidade que vivemos. Duas guerras se desenvolvem simultaneamente. Guerras contraditórias e complementares.

         De um lado a guerra do mundo da ciência contra um inimigo invisível, o Covid-19, o vírus que provocou a maior alteração no nosso modo de viver e de interagir com a realidade, que agora se acentua e se diversifica ante as mutações do vírus original.

Com o surgimento do inimigo, num curto espaço de tempo vacinas foram desenvolvidas e testadas nos países mais avançados. Com a validação das vacinas pelas instituições acreditadas, elas passaram a ser aplicadas de forma racional e inteligente na maioria dos países especialmente os do primeiro mundo. E os que tinham condições de fazer e não o fizeram em tempo por motivos inconfessáveis, como é o caso os Estados Unidos, depois tiveram que correr atrás do prejuízo. No Brasil as vacinas foram adotadas depois de muita relutância dos poderes decisórios, sob pressão dos cientistas e da imprensa. Ainda assim, a adoção se deu de forma lenta e relutante, após muita negação da validade do uso da vacina. Isto nos levou à realidade que ora vivemos.

Nesse contexto de pandemia, médicos e paramédicos dedicaram-se e dedicam-se a socorrer as vítimas do terrível vírus, honrando o compromisso de consagrar a vida a serviço da humanidade, à saúde e ao bem-estar dos pacientes.    

A luta é inglória. Esses profissionais são também seres humanos. Sofrem os efeitos das longas jornadas, da estrutura deficiente da maioria dos hospitais brasileiros e do natural cansaço decorrente das condições em que trabalham. Levantamento do Conselho Nacional de Medicina, de outubro do ano passado, revela que até então 58 profissionais haviam morrido em São Paulo. O Estado do Pará vinha em segundo lugar com a perda de 51 discípulos de Hipócrates e o Rio de Janeiro com 50. É certo que a esta altura, março de 2021, esses números estão defasados.

Ainda assim, médicos e paramédicos continuam na sua messe, deixando a família em segundo plano, muitas vezes com filhos pequenos e pais idosos. Quase não tem mais vida social. Enfim, é uma luta sem equilíbrio entre as partes contendoras.

Na contramão disso, desenvolve-se uma guerra paralela com o sinal trocado, estimulada por quem deveria defender a população.

Em primeiro lugar pelo negacionismo leviano e renitente que prevaleceu por largo tempo. A virose seria apenas uma gripezinha. Mediante o afastamento do staff governamental de auxiliares sintonizados com a ciência. Com a negação da importância do uso de máscaras em locais públicos e pelo mau exemplo, estímulo velado ou ostensivo às turbas enfurecidas que apregoam a desestabilização dos poderes da República. Pelo esvaziamento dos setores sociais como Educação e Saúde, com a designação de ministros que nada entendem dos assuntos da respectiva pasta. E altos investimentos na indústria de guerra e facilitação da venda de armas à população, viabilizando o incremento das milícias que já dominam extensos territórios nas capitais e grandes cidades brasileiras. Além da formação de grupos paramilitares acionáveis num estalar de dedos.

Esta guerra é tão perniciosa quanto a dizimação causada pelo Coronavirus, que infelizmente vai continuar matando a população. Com uma particularidade, agora o andar de cima da pirâmide social também está sendo atingida, ao contrário da fase inicial em que as vítimas eram muito mais os brasileiros das classes menos favorecidas.

                                                                                                      

Octávio Pessôa é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/ Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo.