Não escorregue nem tropece. Muita gente desprevenida comete essa imprudência. Talvez embevecida pela mensagem dos textos que lê, por pressa ou por acreditar que o Dr.Google é infalível, faz afirmações questionáveis. Pra dizer o mínimo.
É o caso daquele texto que volta e meia a gente lê por aí,
sob o título O tempo e as jabuticabas,
atribuído a Rubem Alves, ou O valioso
tempo dos maduros, mencionando Mário de Andrade como seu autor.
A
beleza e a profundidade do texto é indiscutível. Ele trata da atitude madura de
não nos importarmos com as coisas irrelevantes da vida, à medida que a gente
vai acompanhando as voltas que o mundo dá e conclui que realmente prender-se às
coisas pequenas ou ilusórias só atrapalha nossa felicidade.
Com pequenas variações, dependendo do gosto de quem o posta,
o conteúdo do texto que pulula na Internet é mais ou menos este:
Contei meus anos
e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora.
Tenho mais passado do que futuro…
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas…
As primeiras, ele chupou displicente…
mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço…
Já não tenho tempo para lidar com
mediocridades…
Não quero estar em reuniões onde
desfilam egos inflados.
Inquieto-me com invejosos tentando
destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.
Já não tenho tempo para conversas
intermináveis…
Já não tenho tempo para administrar
melindres de pessoas que,
apesar da idade cronológica, são imaturas…
Detesto fazer acareação de desafetos que
brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…
As pessoas não debatem conteúdos… apenas
os rótulos…
Meu tempo tornou-se escasso para debater
rótulos…
quero a essência… minha alma tem pressa…
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero
viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços…
não se encanta com triunfos…
não se considera eleita antes da hora…
não foge de sua mortalidade..
Caminhar perto de coisas e pessoas de
verdade…
O essencial faz a vida valer a pena…
e para mim basta o essencial…
Há fortes razões
para se afirmar não ser o texto de Rubem Alves e muito menos de Mário de
Andrade.
A atribuição a Alves
provavelmente é em razão dele ter um livro intitulado Do universo à jabuticaba, editado em 2010, pela Editora Planeta do Brasil Ltda., São Paulo/SP.
Nessa obra, Alves
após introduzir na epígrafe aforismos de Neruda, Nietche e Fernando Pessoa, afirma
que sua vida se divide em três fases “Na
primeira, meu mundo era do tamanho do universo e era habitado por deuses,
verdades e absolutos. Na segunda fase meu mundo encolheu, ficou mais modesto e
passou a ser habitado por heróis revolucionários que portavam armas e cantavam canções
de transformar o mundo. Na terceira fase, mortos os deuses, mortos os heróis,
mortas as verdades e os absolutos, meu mundo se encolheu ainda mais e chegou
não à sua verdade final mas à sua beleza final: ficou belo e efêmero como uma
jabuticaba florida”.
Sem dúvida, o
conteúdo do texto itinerante se assemelha, no essencial, à profunda mensagem colocada
por Alves sob a rubrica “Minha Vida...”. O
que não faculta ao compilador ou a quem o reproduz atribuir a autoria do texto
ao mineiro de Boa Esperança. Mas os desavisados aceitam como verdadeira a autoria
de Alves e replicam e treplicam especialmente nos meios eletrônicos.
Mais improvável
ainda é o texto ser de Mário de Andrade. Escritor da primeira fase do
Modernismo Brasileiro que teve papel importantíssimo nessa fase crucial da
Literatura brasileira, Andrade inovou absorvendo os valores e a linguagem das
culturas periféricas como a amazônica, mas ele não era dado a temas de natureza
existencial como fazia Alves.
Há no entanto um
texto menos conhecido no mundo das letras que penso ser o “pai” daquele que é
replicado à exaustão e atribuído a autores que não o escreveram. Trata-se de O Tempo que Foge, de Ricardo Gondim, pastor
e presidente da Igreja Evangélica Betesda, sediada em São Paulo, e também do
Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos.
Autor de diversas
obras, Gondim publicou em 2007 pela
Editora Ultimato Ltda, de Viçosa/MG, o livro Eu creio, mas tenho dúvidas- A graça de Deus e nossas frágeis certezas,
que em suas páginas 102 a103 traz:
TEMPO QUE FOGE
“DESCOBRI QUE TEREI menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicentemente, mas percebendo que faltavam poucas, passou a roer o caroço.
Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não
quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices.
Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus
lugares, talentos e sortes.
Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não
participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a
miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter
milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para
eventos de um fim de semana com propostas de abalar o milênio.
Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para
discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos.
Não gosto de assembleias ordinárias em que as organizações procuram se proteger
e se perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.
Já não tenho tempo para administrar melindres de
pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas. Não quero ver os
ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, para “tirar a
limpo”. Detesto fazer acareações de desafetos que brigam pelo majestoso cargo
de secretário do coral.
Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes
gramaticais sutis, ou as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar
explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque
há um grupo que a considera herética. Gosto e ponto final! Lembrei-me de Mário
de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”. Meu
tempo tornou-se escasso para debater rótulos.
Já não tenho tempo para ficar explicando se estou ou
não perdendo a fé, porque admiro a poesia de Chico Buarque e de Vinícius de
Moraes; a voz de Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, de Thomas Mann,
de Ernest Hemingway e de José Lins do Rego.
Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado
de gente muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com
triunfos, não se considera eleita para a “última hora”, não foge da sua
mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar
humildemente com Deus. Caminhar perto dessa pessoas nunca será perda de tempo.”
O autor, Octávio Pessôa, é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA.
Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/. Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em
2020 publicou o romance/documentário Asas
de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é
imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense
de Jornalismo.
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