A propósito do último post, em que transcrevi um texto do falecido Artur da Távola, sobre a importância da criatividade, especialmente nessas fases de mudança, como as festas de fim de ano, retorno neste primeiro dia do ano de 2011, compartilhando este texto sobre a coragem criativa:
Vivemos a morte de uma época e a nova era ainda não nasceu. Tudo a nossa volta é prova disso: a mudança radical nos costumes sexuais, na educação, na religião, na tecnologia e em quase todos os outros aspectos da vida moderna. E, por trás de tudo, a ameaça da bomba atômica, distante, mas sempre presente. É preciso coragem para viver nesse limbo.
Temos uma escolha: fugir em pânico ante a iminência do desmoronamento de nossas estruturas e acovardar-nos com as perdas dos portos conhecidos, ficando paralizados, inertes e apáticos; ou lançarmos mão de toda a coragem necessária para preservar nossos sentimentos, nossa consciência de responsabilidade, ante a mudança radical, participando conscientemente, mesmo em pequena escala, da formação da nova sociedade.
Acovardando-nos, abrimos mão da oportunidade de participarmos da formação do futuro, negamos a característica mais distintiva do ser humano - a possibilidade de influenciarmos a evolução por meio do conhecimento consciente. Dessa forma, capitulamos frente à força destrutiva e cega da História, desistimos de moldar uma sociedade futura mais justa e humano.
Somos chamados a realizar algo novo, a enfrentar e terra de ninguém, a penetrar na floresta onde não há trilhas feitas pelo homem e da qual nunca alguém voltou para nos servir de guia. É a isso que os existencialistas chamam de angústia do nada. Viver no futuro significa um passo para o desconhecido.
Isso exige coragem, uma coragem sem precedentes imediatos e compreendida por poucos. Essa coragem não é o oposto de desespero nem de teimosia Mas a coragem que se origina no interior de nosso eu. Sem ela nos sentimos vazios. O “vazio” interior corresponde à apatia exterior que, com o correr do tempo, se transforma em covardia.
A coragem não é um valor entre os valores do indivíduo, nem é uma virtude como o amor ou a fidelidade. É o alicerce que suporta e torna reais todas as virtudes e valores. Sem ela o amor empalidece e se transforma em dependência. Sem a coragem, a fidelidade é conformismo. Ela é necessária para que o homem possa ser e vir a ser.
E para que o eu seja, é necessário afirmá-lo e comprometer-se. Eis aí a diferença entre os seres humanos e o resto da natureza. A bolota se transforma em carvalho por crescimento automático, o filhote transforma-se em gato pelo instinto; nenhum compromisso consciente é necessário. Mas um homem ou uma mulher tornam-se humanos, conseguem valor e dignidade, pelas múltiplas decisões que tomam diariamente. Essas decisões exigem coragem.
A coragem física é importante se ao invés de se expressar em des¬mandos de violência ou para afirmar poder egocêntrico sobre outras pessoas, se dirige para o cultivo da sensibilidade, para a valorização do corpo como meio de despertar empatia nas outras pessoas. A coragem moral, que se origina na identificação da sensibilidade do indivíduo com o sofrimento do próximo, é necessária, como necessária é a coragem social, que é o oposto da apatia, é a capacidade de arriscar o próprio eu na esperança de se atingir uma intimidade significativa.
Finalmente, é mais do que necessária a coragem criativa, que é a descoberta de novas formas, novos símbolos, novos padrões, segundo os quais uma nova sociedade pode ser construída.
Toda profissão pode exigir e exige coragem criativa. Nos nossos dias, a tecnologia, a engenharia, a diplomacia, o comércio e, sem dúvida, o magistério, todas essas profissões e dezenas de outras passam por mudanças radicais e precisam de indivíduos corajosos que valorizem e dirijam essas mudanças. A coragem criativa é proporcional ao grau de mudança”.
(extraído do livro “A Coragem de Criar”. Rollo May. Editora Nova Fronteira. 5a. Edição.1983).
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