O
alerta pra não se levar a sério tudo o que está na rede mundial não surpreende quem
já “sacou” que a Internet é uma fonte secundária de informações, ou
seja, alguém postou “nas nuvens” este ou aquele dado pretensamente verdadeiro, mas
que nem sempre corresponde à realidade. A comodidade proporcionada pelo Dr.
Google induz a erros que se agravam com a repercussão que fazemos da informação
inverídica. É sempre aconselhável checarmos a veracidade do que vemos ou lemos na
rede. Dá trabalho? É claro que dá.
Nem
me refiro à Wikipedia, que por sua natureza interativa, em que o usuário pode
lançar ou acrescentar informações àquela enciclopédia virtual, é a fonte menos
confiável da Internet.
Cuidado
redobrado com as citações é necessário. Estas são as campeãs de atribuição de
autoria equivocada. Também ocorre com frequência publicação de textos que
existem de verdade com atribuição de autoria diferente da verdadeira e ainda, textos
de qualidade discutível escritos por pessoas que maliciosamente os atribuem a autores
consagrados. Luiz Fernando Veríssimo e Arnaldo Jabour são exemplos de figuras
públicas que já foram vítima desses “equívocos”. O efeito viral das postagens
em rede potencializa o erro. Até o pretenso autor comprovar não ser dele o texto, o
estrago já está feito.
Certa
feita a Lei de Murph, “se algo de errado pode acontecer, prepare-se porque vai
acontecer” funcionou ironicamente a meu favor. Uma pessoa bem informada e
“lida” me passou aquela citação “De tudo na vida ficaram três coisas: A certeza
de que estamos sempre começando... A certeza de que precisamos continuar... A
certeza de que seremos interrompidos antes de terminar...Portanto, devemos:
Fazer da interrupção um caminho novo. Da queda um paço de dança... Do medo uma
escada... Do sonho uma ponte...”, como se fosse de Fernando Pessoa. Gostei do
conteúdo e guardei o texto.
Mais
adiante, vislumbrei a oportunidade de utilizar a citação. Inseri-a no fecho de
um discurso que eu faria num evento em que a citação “cairia como uma luva”. Só
que na última hora fui informado pelo cerimonial de que apenas a autoridade
maior usaria da palavra. A essa altura, eu já tinha pesquisado na Internet,
onde a frase veio sob forma de poema, com foto estilizada do Fernando pessoa,
com óculos, guardachuva e tudo mais. Ante a informação do cerimonial, senti-me
vítima da Lei de Murph. Havia pesquisado, preparado o discurso, mas por
desconhecimento de regras, meu investimento de tempo foi pra lixeira.
Depois disso, participei de um treinamento que se encerrou com aquela frase, mencionando-se
como autor Fernando Sabino. Fiquei “encucado” e discretamente questionei uma
das consultoras quanto à “verdadeira” autoria. Ela me afirmou categoricamente
ser de Fernando Sabino, mineiro que nem ela, na obra “Encontro Marcado”. Dada a
convicção dela, mudei minha opinião sobre a autoria da sentença e passei a
ficar com “um pé atrás” com as informações do Dr. Google, que na realidade é um
sujeito passivo. Ele aceita passivamente a “aplicação" de qualquer um.
Só
que eu continuei perseguido por aquela frase. Eu já estava tranquilo com a certeza
da autoria do Fernando Sabino, quando passados alguns meses ouvi de conhecida
autoridade paraense, em seu discurso de despedida do cargo que ocupava, aquela
frase com a sonoridade que lhe é peculiar e, “catapimba!”, lá o “indigitado”,
visivelmente emocionado, atribuiu a autoria da citação a Fernando Pessoa. Aí
minha cabeça “deu um nó”. Afinal de contas, o homem é culto. Acendeu-se então
em mim o espírito de auditor, cargo que eu ocupava à época, em relação àquela
citação. Pensei, agora só sossego quando tiver a comprovação da veracidade. O
pior, não lembrava o título do livro que a consultora mencionara. Assim, passei
a questionar as pessoas que eu considerava autorizadas a dirimir minha dúvida.
Foram professores de literatura, mestres, doutores, até um reitor. Mas ninguém me
respondia com segurança. A mim não interessava somente que alguém “matasse a cobra e mostrasse o pau”. Eu queria ver a cobra morta e segura pelo rabo.
Quem me tirou da aflição foi a
professora, doutora em Fernando Pessoa, Amarilis Tupiassu. Colocada a par da
minha questão, poucas horas depois me ligou informando que realmente a frase não
é do Fernando Pessoa, mas do Fernando Sabino, na obra “Encontro Marcado”.
Comentou comigo o momento em que a frase é escrita no romance, as circunstâncias
em que os personagens se encontravam e por último, mencionou o número da página
do livro.
Mais uma vez obrigado, professora
Amarilis. Eu que nunca fui seu aluno, mas sei de sua competência, me tornei
mais ainda seu admirador incondicional. Tanto assim que depois, submeti à sua
apreciação as crônicas que então eu vinha escrevendo e foram inseridas no livro “Causos Amazônicos”, que na primeira edição foi chancelado com a sua
opinião, juntamente com as do professor Oswaldo Coimbra e “in memoriam” do
professor Meirevaldo Paiva.
Definitivamente esclarecida a dúvida
quanto à autoria da citação, agradeci penhoradamente a Deus por eu ter sido
poupado de falar naquele evento. Eu também, ia ler com toda ênfase a bela e
profunda frase e atribuir a autoria a Fernando Pessoa, como eu julgava ser à
época. Com a certificação do Dr. Google.
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