Octavio Pessoa
Foi há uns dois meses. Instaurou-se um diálogo muito
interessante aqui neste espaço entre confrades acadêmicos, acerca de um assunto
literário que envolveu também conhecimentos musicais. Registrei os pontos
principais, mas as demandas do dia-a-dia me impediram de colocar no papel, mais
precisamente no computador, as observações que me ocorreram. Agora, longe de
Belém e com tempo disponível, retorno ao assunto.
Começou com o confrade Aissar pondo em pauta a pedra
preciosa oferecida pelo professor Eduardo Affonso “de nosso garimpo vernacular”,
diz aquele acadêmico da Amalep. Nesse texto afirma Eduardo que há dois tipos de
palavras: as proparoxítonas e o resto, sendo as proparoxítonas o ápice da
cadeia alimentar do léxico, estando elas para as outras palavras assim como os
mamíferos para os artrópodes. Afirma ele que as palavras mais pernósticas são
sempre proparoxítonas. “Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às
célebres”. E acrescenta, se o idioma fosse um espetáculo, as proparoxítonas permaneceriam
longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo. Para
pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto e despóticas exigem ainda acento
na sílaba tônica! Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito. É
inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo. O inclinado e o íngreme.
O irregular e o áspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pântano. O quieto e o
tímido. Uma coisa é estar na ponta, outra é estar no vértice, assim como estar
no topo e estar no ápice. Uma coisa é ser fedido, outra é ser fétido. É fácil
ser valente, mas é árduo ser intrépido. Ser artesão não é nada perto de ser artífice. Legal ser eleito Papa, mas bom
mesmo é ser Pontífice. Sublinha ainda
a raridade dessas duas últimas proparoxítonas que rimam entre si e acresce, porque
elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da
gramática.
Se quer causar um
impacto insólito, prossegue Eduardo, elogie com proparoxítonas. É como se o
elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo. O sujeito pode ser bom,
competente, talentoso, inventivo, mas não há nada como ser considerado ótimo,
magnífico, esplêndido. Da mesma forma, errar é humano, épico mesmo é cometer um
equívoco. Escapar sem maiores traumas é escapar ileso, tem que ter classe pra
escapar incólume. Aquilo que você não conhece é só desconhecido, quando você
não tem a mínima ideia do que seja aí já é uma incógnita. Ao centro qualquer um
chega, poucos chegam ao âmago. O desejo de ser proparoxítona é tão atávico que
mesmo os vocábulos mais ordinários têm o privilégio, efêmero, de pertencer a
essa família, ou não seriam chamados de oxítonas e paroxítonas. Não é o cúmulo?
– É isso, vivendo e aprendendo! encerrou
o ínclito Aissar.
Os acadêmicos Ivandi e Aristides,
impávidos, elogiaram-no. Eu também, ante a boçalidade das proparoxítonas
denunciadas por Eduardo Affonso, entrei no jogo e, no melhor paraensismo disse –
Paidégua essa! É melhor dizer paidégua do que ótima, não é? Ótima é uma palavra
muito pávula. Égua! até no paraensismo
tem proparoxítona. E põe pavulagem nisso.
Empolgado, fiz um comentário que
desencadeou uma polêmica [as proparoxítonas passaram a me perseguir]. Afirmei, só
o Chico Buarque pra fazer a letra de uma música em que cada verso termina com
uma palavra proparoxítona.
O Aissar rebateu. Chico não foi o único, muito menos o primeiro. Surpreso, confessei minha ignorância – Certamente que não, companheiro, mas sinceramente eu não conheço outra música em que a palavra final de cada verso seja proparoxítona. Se você conhece outra, por favor apresente que eu escrevo um artigo sobre a nossa discussão. Aissar acenou que sim, mas até hoje está num silêncio gritante [quanto a este assunto].
Foi aí que o confrade Elton Melo socorreu Aissar e juntou a letra da música Formato Mínimo, do Skank:
Parabenizei o colega Elton
Costa. Ele me provou que realmente o Chico não é o único. Eu é que não conhecia
essa bela música do Skank. Linda e profunda letra, disse eu. Ante minha reação,
Elton confessou – Linda e profunda... uma boa definição para ela. É a minha
preferida desse grupo. Composição do Samuel Rosa.
Informei ao irmão não conhecer muito
as músicas do Skank. Bom, comentei, só vejo um cochilo na letra dessa música. No
último verso. Embora comumente se diga rúbrica (proparoxítona) o correto é
rubrica (paroxítona). Elton argumentou – Uma licença poética, único momento em
que me declino à linguística. Realmente, disse eu, ao poeta tudo é permitido.
Não amarremos a Poesia. E fiz um comentário – Isso é muito legal. Precisamos exercitar
mais essa prática aqui neste grupo.
Aí o confrade-presidente Claudio
Jorge se manifestou – Verdade grande Octávio. A forma correta de escrita da
palavra é rubrica, uma palavra paroxítona, com a sílaba bri como sílaba tônica.
E esclareceu. O substantivo feminino rubrica faz referência, principalmente, a
uma assinatura abreviada. E lembrou que não devemos esquecer que fazemos parte
de uma Academia de Letras e como tal, externar mais nossas opiniões.
Ratifiquei a observação do mestre
Cláudio Jorge e peguei embalo. Ainda sobre licença poética, dizem que o
brasileirismo “inzoneiro", palavra hoje dicionarizada, teria sido usado
pela primeira vez por Ary Barroso para manter a harmonia e a métrica [lá vem a
proparoxítona de novo] de sua música Aquarela do Brasil. Cláudio Jorge foi além
– Como outros "arremedos" utilizados em músicas, para composição e,
caíram em uso contínuo no linguajar tupiniquim.
A saudável e enriquecedora, na
minha avaliação, polêmica terminou com a inserção do vídeo da Gal Costa
cantando Aquarela do Brasil. Externei então, para mim, Aquarela do Brasil é o Hino
Popular Brasileiro. Elton Costa aplaudiu.
Aí está confrade Aissar, o
artigo que eu me comprometi a fazer. Acho que está mais pra crônica.
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