terça-feira, maio 14

UMA ENRIQUECEDORA POLÊMICA


Octavio Pessoa

Foi há uns dois meses. Instaurou-se um diálogo muito interessante aqui neste espaço entre confrades acadêmicos, acerca de um assunto literário que envolveu também conhecimentos musicais. Registrei os pontos principais, mas as demandas do dia-a-dia me impediram de colocar no papel, mais precisamente no computador, as observações que me ocorreram. Agora, longe de Belém e com tempo disponível, retorno ao assunto.
Começou com o confrade Aissar pondo em pauta a pedra preciosa oferecida pelo professor Eduardo Affonso “de nosso garimpo vernacular”, diz aquele acadêmico da Amalep. Nesse texto afirma Eduardo que há dois tipos de palavras: as proparoxítonas e o resto, sendo as proparoxítonas o ápice da cadeia alimentar do léxico, estando elas para as outras palavras assim como os mamíferos para os artrópodes. Afirma ele que as palavras mais pernósticas são sempre proparoxítonas. “Das mais lânguidas às mais lúgubres. Das anônimas às célebres”. E acrescenta, se o idioma fosse um espetáculo, as proparoxítonas permaneceriam longe do público, fingindo que fogem dos fotógrafos e se achando o máximo. Para pronunciá-las, há que ter ânimo, falar com ímpeto e despóticas exigem ainda acento na sílaba tônica! Sob qualquer ângulo, a proparoxítona tem mais crédito. É inequívoca a diferença entre o arruaceiro e o vândalo. O inclinado e o íngreme. O irregular e o áspero. O grosso e o ríspido. O brejo e o pântano. O quieto e o tímido. Uma coisa é estar na ponta, outra é estar no vértice, assim como estar no topo e estar no ápice. Uma coisa é ser fedido, outra é ser fétido. É fácil ser valente, mas é árduo ser intrépido. Ser artesão não é nada perto de ser artífice. Legal ser eleito Papa, mas bom mesmo é ser Pontífice. Sublinha ainda a raridade dessas duas últimas proparoxítonas que rimam entre si e acresce, porque elas se acham únicas, exóticas, esdrúxulas. As figuras mais antipáticas da gramática.
                Se quer causar um impacto insólito, prossegue Eduardo, elogie com proparoxítonas. É como se o elogio tivesse mais mérito, tocasse no mais íntimo. O sujeito pode ser bom, competente, talentoso, inventivo, mas não há nada como ser considerado ótimo, magnífico, esplêndido. Da mesma forma, errar é humano, épico mesmo é cometer um equívoco. Escapar sem maiores traumas é escapar ileso, tem que ter classe pra escapar incólume. Aquilo que você não conhece é só desconhecido, quando você não tem a mínima ideia do que seja aí já é uma incógnita. Ao centro qualquer um chega, poucos chegam ao âmago. O desejo de ser proparoxítona é tão atávico que mesmo os vocábulos mais ordinários têm o privilégio, efêmero, de pertencer a essa família, ou não seriam chamados de oxítonas e paroxítonas. Não é o cúmulo?
– É isso, vivendo e aprendendo! encerrou o ínclito Aissar.
Os acadêmicos Ivandi e Aristides, impávidos, elogiaram-no. Eu também, ante a boçalidade das proparoxítonas denunciadas por Eduardo Affonso, entrei no jogo e, no melhor paraensismo disse – Paidégua essa! É melhor dizer paidégua do que ótima, não é? Ótima é uma palavra muito pávula. Égua!  até no paraensismo tem proparoxítona. E põe pavulagem nisso.
Empolgado, fiz um comentário que desencadeou uma polêmica [as proparoxítonas passaram a me perseguir]. Afirmei, só o Chico Buarque pra fazer a letra de uma música em que cada verso termina com uma palavra proparoxítona. 


O Aissar rebateu. Chico não foi o único, muito menos o primeiro. Surpreso, confessei minha ignorância – Certamente que não, companheiro, mas sinceramente eu não conheço outra música em que a palavra final de cada verso seja proparoxítona. Se você conhece outra, por favor apresente que eu escrevo um artigo sobre a nossa discussão. Aissar acenou que sim, mas até hoje está num silêncio gritante [quanto a este assunto].

Foi aí que o confrade Elton Melo socorreu Aissar e juntou a letra da música Formato Mínimo, do Skank: 


Parabenizei o colega Elton Costa. Ele me provou que realmente o Chico não é o único. Eu é que não conhecia essa bela música do Skank. Linda e profunda letra, disse eu. Ante minha reação, Elton confessou – Linda e profunda... uma boa definição para ela. É a minha preferida desse grupo. Composição do Samuel Rosa.
Informei ao irmão não conhecer muito as músicas do Skank. Bom, comentei, só vejo um cochilo na letra dessa música. No último verso. Embora comumente se diga rúbrica (proparoxítona) o correto é rubrica (paroxítona). Elton argumentou – Uma licença poética, único momento em que me declino à linguística. Realmente, disse eu, ao poeta tudo é permitido. Não amarremos a Poesia. E fiz um comentário – Isso é muito legal. Precisamos exercitar mais essa prática aqui neste grupo.
Aí o confrade-presidente Claudio Jorge se manifestou – Verdade grande Octávio. A forma correta de escrita da palavra é rubrica, uma palavra paroxítona, com a sílaba bri como sílaba tônica. E esclareceu. O substantivo feminino rubrica faz referência, principalmente, a uma assinatura abreviada. E lembrou que não devemos esquecer que fazemos parte de uma Academia de Letras e como tal, externar mais nossas opiniões.
Ratifiquei a observação do mestre Cláudio Jorge e peguei embalo. Ainda sobre licença poética, dizem que o brasileirismo “inzoneiro", palavra hoje dicionarizada, teria sido usado pela primeira vez por Ary Barroso para manter a harmonia e a métrica [lá vem a proparoxítona de novo] de sua música Aquarela do Brasil. Cláudio Jorge foi além – Como outros "arremedos" utilizados em músicas, para composição e, caíram em uso contínuo no linguajar tupiniquim.
A saudável e enriquecedora, na minha avaliação, polêmica terminou com a inserção do vídeo da Gal Costa cantando Aquarela do Brasil. Externei então, para mim, Aquarela do Brasil é o Hino Popular Brasileiro. Elton Costa aplaudiu.
Aí está confrade Aissar, o artigo que eu me comprometi a fazer. Acho que está mais pra crônica.






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