Advogado, jornalista e servidor público, já fui locutor de rádio, sócio cotista de produtora de vídeo e empregado de firmas comerciais. Só não imaginava um dia tornar-me um financista.
Eu e minha esposa, anos atrás, fomos conhecer o delta do Parnaíba. Estivemos em Luiz Correia e Parnaíba, as únicas cidades litorâneas dos sessenta e seis quilômetros de costa do Piauí. Na realidade, pelo que soube, aquela região pertencia ao estado do Ceará, que vendeu ou permutou com uma parte da região de Crateús, para proporcionar ao Piauí, uma costa, um litoral.
Negócio excelente para os piauienses. Para mim, aquele é um dos mais belos trechos da costa brasileira. Parnaíba com suas exóticas lagoas, dunas, ilhas e ilhotas, especialmente a de Santa Izabel, com sua praia da Pedra do Sal, com uma “coroa” de calmaria, onde pescadores tiram o seu sustento e outra de grandes ondas, paraíso dos surfistas. Luiz Correia, com suas praias de águas mornas. Algumas praias agitadas, como a do Atalaia, onde os turistas se concentram. Outras mais tranquilas como a do Coqueiro e a antiga vila dos pescadores. Era assim, pelo menos quando lá estivemos.
Foi numa época de baixa temporada. Salvo engano, numa Semana Santa. Chegamos certa manhã, juntamente com um casal amigo, à única barraca que tinha alguém para nos atender. A praia estava realmente deserta. Fomos efusivamente recebidos, como os nordestinos sabem fazer.
O sol foi subindo e o mar nos provocando a entrar naquelas águas tropicais. Só havia um problema. Onde deixar nossas coisas, inclusive carteira com dinheiro, já que havíamos caminhado desde o hotel, até a praia? Não estávamos de carro.
Foi aí que me ocorreu uma idéia. Abrir o jogo pro barraqueiro e confiar na sua honestidade. Conferi o dinheiro na frente dele e pedi que ele guardasse as coisas de todos nós, inclusive a carteira. Antes de seguirmos, escolhemos no cardápio, o prato do nosso almoço. De boa política, prestigiarmos nosso anfitrião. Assim, relaxamos e fomos curtir aquele mar maravilhoso.
Lá pelas tantas, retornamos esfomeados, para a barraca. A recepção foi maior ainda, para nós que continuávamos, até então, como únicos clientes. Mesa arrumada, comida servida, brega tocando na rádio AM, degustamos com sofreguidão, peixes, camarões, caranguejos, buchada de bode, tudo regado a caipirinha e cerveja.
E haja salamaleques do barraqueiro. Chamava-me atenção aquele excesso de cortesia. Chegada a hora da conta, pedi a carteira e aí, começaram as explicações.
- Doutor, sabe como é. A gente “estávamos” sem capital de giro prá lhe atender, mas a gente não podia deixar de atender o seu pedido. Então, tomamos emprestada uma graninha do senhor. A gente não ia incomodar o senhor, nesta manhã que Deus reservou só para vocês. Aí, a gente “abrimos” a sua carteira e tirou apenas o necessário, parfa lhe atender..
Refeito do susto, tomei mais uma e não perdi a piada: - Então agora, eu sou seu sócio? Muito prazer. Virei agora, o financiandor do seu negócio.
Ele entrou no clima de humor e, na maior naturalidade, prosseguiu:
- Doutor, sabe como é. Aqui, o maior “pobrema” é o capital de giro. Mas fique tranquilo. Pode conferir. O senhor me emprestou apenas trinta e três reais, para a gente “comprarmos” os produtos. O restante do seu dinheiro está todo aqui dentro [me entregou a carteira]. E tem mais, doutor, não vou lhe cobrar o serviço e ainda vou fazer um desconto especial.
Ele desviou o olhar de mim e, com os olhos perdidos no horizonte, girava um braço em torno do outro e falava prá ele mesmo - Agora é só girar o capital.
Não me contive e dei uma sonora gargalhada, deixando perplexos os circunstantes.
- OK, meu camarada. Sua comida é ótima e eu estou satisfeito. Você usou só o dinheiro necessário prá alavancar o seu negócio. Parabéns! Continue girando o capital.
OCTAVIO PESSOA
Advogado, jornalista e auditor federal de controle externo.
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