Havia prometido não mais tratar do assunto velórios. Mas não resisto em compartilhar com vocês mais este causo que tem como mote, na verdade, outro tema que também rende farto manancial de argumentos para chargistas e cronistas - as campanhas políticas. E a campanha deste ano não foi diferente. Houve situações pitorescas e hilárias, como a do candidato que, desconfiado da fidelidade de suas “cabas” eleitorais, resolveu dar um flagra em cima delas e sobrou prá mulher dele. Mas esta fica prá próxima. Vou contar agora, o episódio que ensinou ao candidato a precaver-se, em campanha política, até com notícia de presunto.
Já era esperada há dias, a hora daquele correligionário ir prestar suas contas com o Todo Poderoso. Pessoa afável e de bom trato, seu estado terminal deixava o político apreensivo. Na última visita do candidato a deputado ao candidato a defunto, aquele designou um parente deste, prá mantê-lo sempre informado quanto ao avanço (retrocesso eu acho mais adequado) do quadro de saúde de quem, na avaliação do político, estava macambúzio, sorumbático e nauseabundo. Se o coitado batesse a caçoleta, não importava a hora, era prá notícia ser dada imediatamente. O quase deputado se sentia no dever de expressar seus sentimentos aos amigos e parentes do infortunado, o quanto antes. De preferência, antes dele chegar ao cômodo determinado por São Pedro, prá seu descanso eterno. A medida era necessária e principalmente, estratégica. Afinal, todos ali, eram seus eleitores.
Prá variar, a Lei de Murphy – se algum erro é possível de se dar, prepare-se, porque ele vai acontecer - aconteceu. O político estava no extremo oposto de sua base eleitoral, quase fechando acordo com um candidato a outro cargo eletivo, acordo que seria muito bom prá ambos os lados (dizem as más línguas que o candidato não se elegeu porque perdeu esse acordo), quando o celular tocou para anunciar que o homem tinha esticado as pernas de vez.
Candidato, assessor e motorista voaram pelas estradas esburacadas de terra batida. Muitos solavancos depois, chegaram à choupana do desencarnado. Do lado de fora, muita gente se aglomerando. O motorista, solidário, começa a dar pêsames aos parentes e amigos do falecido, parecia até que ele era o candidato. Enquanto isso, o propriamente dito e seu assessor vão entrando com beira na pequena moradia de quarto e cozinha.
Como todo defunto que se preza, aquele também estava espichado em cima da única cama, no quarto de terra batida, coberto por um lençol. Candidato e assessor se entreolham assustados ao perceber que a fina coberta subia e descia, subia e descia. Quando o motorista finalmente chega esbaforido, ao pequeno cômodo, e prossegue os cumprimentos aos parentes e amigos, ao redor do defunto, que recebiam os sentimentos entre tartamudos e desconfiados, o candidato comenta com o motorista, falando entre os dentes, “o lençol tá se mexendo. Nós achamos que o defunto tá vivo”. Nada disso, retruca o motorista. E pálido, acrescenta “ele não pode fazer isso comigo. Deve ser uma corrente de ar que está balançando esse lençol”.
Diante da situação inusitada, o quase deputado sentindo-se numa saia justa e não sabendo como cumprimentar as pessoas, chama de lado o informante da morte e cobra uma posição. “Afinal, ele morreu ou não morreu?”
- Olhe, seu deputado, prá falar a verdade, quando eu liguei pro sinhô, o cuirão tava morto, morto. Mas paresque ele resolveu vortá. Vai vê que a arma dele vortô prá se dispidí do sinhô. Num se avexe, não. Pode dá os pesos pro pessoal. Daqui a pouco ele morre de vez.
Octavio Pessoa – jornalista, advogado, auditor federal de controle externo.
octavio.pessoa.ferreira@gmail.com
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Daqui a pouco, o livro sai.Vamos aguardar. Parabéns!
ResponderExcluirCauso de extremo bom gosto, exceto o lençol se mexendo. Rs.
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