Tive a grata satisfação de receber ontem, do meu amigo Roberto Carvalho de Faro, imortal da Academia Paraense de Letras e revisor de texto do meu livro "Causos Amazônicos", o e-mail que segue adiante, por meio de que ele me brinda com uma poesia feita quando vivia uma situação semelhante à em que eu estou agora. Valeu demais para mim. Obrigado, Roberto. Compartilho agora, com você, leitor:
Meu caro Octavio,
Lendo o seu blog, no
qual você se refere à parada forçada que teve que fazer, por conta do acidente
doméstico, que o imobilizou temporariamente, lembrei-me de que anos atrás
passei também por uma parada forçada, em razão de doença, precisando
interromper minhas atividades profissionais e ficar em casa por vários dias.
Esses dias
"parados", convalescendo, serviram-me para refletir sobre a vida. E
foi assim que saiu o texto poético que vai em anexo.
Espero que lhe sirva
de consolo.
Cuide-se e recupere-se
logo.
abraços
Roberto.
Todo Mundo. Sempre
Sempre, não.
Exagero, parece.
Nada é tão sempre.
Mania essa de envolver todos,
tudo.
“Todo mundo está de acordo”.
“É sempre assim”.
É muita gente para concordar,
acho.
Eternamente? Sempre?
Impossível.
Já uma discordância: não me
incluo.
E tantas vezes agi diferente.
Fujo do sempre.
Então agora falo:
Observei gestos, atitudes.
Incongruentes muitos, muitas.
Plural mesmo a criatura.
Um, não se repete.
É vário cada vez.
Mas a água do rio é a mesma?
Mudando, mudando.
Só parece que é.
Então?
O antigo já viu isso, lá na
Grécia.
Hoje parei, pensei.
Um pouco de doença,
de só mal estar, atou-me em casa.
Vi o que não via.
As ruas, os compromissos, o
relógio, cegaram-me.
E hoje vi.
Bastante um descanso no
pátio.
Cacaueiro, cuieira,
aceroleira.
Bambu, também.
Dois dias de descuido, e
mudaram.
Folhas novas que não tinham.
Velhas que caíram.
O cacau mais de vez.
A cuia, casca mais dura.
Acerolas, só as verdes.
Vermelhas, no chão, caídas.
O bambu, duas hastes mais
baixas, arriadas.
A natureza, no silêncio,
mudando.
Onde estava que não vi?
Certo que lidando no
sobreviver.
E precisava? me pergunto.
Tudo não está na ordem
natural?
O passarinho planta, ajunta
em celeiro?
O lírio.
Quem veste o lírio do campo?
Por que então eu, plantando,
colhendo,
tecendo vestes?
E ocupado, o descuido em
derredor.
Meu próprio quintal
sem meu olho, mudando.
E eu, nem.
O que era de ver, não vi.
E dentro, debaixo da pele que
não vejo?
Milhões de células
desapareceram.
Máquina em desgaste.
O corpo não encorpa, fenece,
dia pós dia.
Doença já não cura toda. Fica
resto.
Nem que pouquinho, fica.
Remédio é lenitivo.
Efeito diminui, já não cura.
No pátio, cadeira de balanço.
Balanço do viver.
Que fiz, que não fiz?
Que devia, que não devia?
Saldo: positivo, negativo?
Quem julga?
Há juiz?
Entra a crença.
Cada um com sua fé ou sem
ela.
Houve existência, bagagem de
coisas.
Quem aproveita, se o dono
vai?
Tudo em vão, perda de tempo?
A questão é essa.
Respostas somem.
Perguntas sobram.
Inquietação de monte.
Viver,
invenção de quem?
Doença serve.
É exercício de questionar.
Periódicos balancetes para
balanço final.
Saúde não condiz com
avaliações sérias,
com inventários profundos.
Agora, sim.
Concordo.
“Todo mundo” passará por esta
porta.
E “sempre”.