Na última crônica contei um
episódio patético que presenciei, junto com outras pessoas, na porta de entrada
e depois, no elevador de um hospital da cidade, quando fui fazer teste
ergométrico.
Um “coroa” abriu gentilmente a porta e segurou-a,
facilitando a entrada de todos. Entre as pessoas que passaram, uma “gatinha” olhou pro gentil homem e chamou-lhe com doçura pelo nome. Ele não deu ouvidos.
Prosseguiu na cortesia pras demais pessoas.
No elevador em que todos entraram, ela meio sem graça e
com a cândida voz, chamou-lhe duas vezes pelo nome e ele permaneceu impávido,
recostado numa das paredes do elevador, com o olhar perdido no horizonte.
Encabulada, ela disfarçou o constrangimento, aparentemente conferindo mensagens
no celular e desceu num dos primeiros pavimentos, enquanto ele prosseguiu
subindo.
A cena inusitada
chamou a atenção de todos e despertou o espírito do cronista. Estaria ela enganada? Falando com um
estranho, julgando ser o seu conhecido? A meiguice da voz e a ternura do olhar chegavam a ser desconcertantes. Na esteira do teste ergométrico, construí
minhas hipóteses sobre a cena presenciada.
Primeira, o “coroa” sofre de surdez e naquele dia, esqueceu o discreto aparelho auricular que usa pra
reduzir a deficiência auditiva, razão por que a provocação "passou batida”.
Na segunda hipótese, achei
que a mocinha estava enganada e o “indigitado” é gay. Ele nem piscou e desejou que a
“saliente e apresentada” fosse pro inferno.
Ante a sacanagem com o
desconhecido, dei-lhe uma forra. Eles se conheceram mesmo num furtivo encontro
em que as afinidades explodiram, “rolando” um recíproco desejo de aprofundamento do vínculo, que é
dificultado pelos compromissos afetivo de ambos e agravado pela expressiva
diferença de idade entre eles. Agora o toque nelsonrodrigueano: no dia do
des/encontro, ele estava impactado pelo
diagnóstico médico e só pensava nos exames que tinha que fazer, que poderiam
confirmar sua sentença de morte. Pergunto agora: será que aquele incomum festival
de salamaleques pro público, seria uma purgação antecipada?
Alertei o leitor de que
a crônica não estava terminada. Diante do quadro descrito, eu aceitaria
outras explicações ou até mesmo um desfecho pro episódio.
Num sugestivo e-mail uma
leitora disse que se o "coroa" não ouviu, se ele é gay ou se foi vítima da
sentença de morte antecipada, ela não sabe. Mas percebe que eu fiquei tão impressionado com a beleza e
a voz da moça que ela mereceu até uma
crônica.
Pelo Facebook, minha colega Daely
Cunha, jornalista profissional hoje radicada em Vitória, Espírito Santo, assim se manifestou:
“Vai ver que discutiram por
ciúmes... e ele fez ‘ouvido mouco’ aos apelos de ‘bandeira branca, amor!’ que
ela tentou, chamando por ele...E ela saltou antes para pegar outro elevador ou
descer pelas escadas, de volta ao térreo... Quem sabe saiu porta afora e vida
adentro, valorizando o que lhe restou depois da possível discussão: a beleza, a
juventude e a oportunidade de recomeçar...”
Obrigado, Daely. Sua
alternativa também faz sentido e gostei demais da expressão "saiu porta afora e vida adentro" Com o seu texto dou-me por satisfeito e encerro o assunto.
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