segunda-feira, maio 28

A INCONTINÊNCIA DIGITAL E A FILOSOFIA DE RIOBALDO



Octavio Pessoa

          Tal como a incontinência urinária, a incontinência intestinal e outras afins, espalha-se agora outra incontinência tão perniciosa quanto as suas semelhantes,  a Incontinência Digital.
          O portador da Incontinência Digital não resiste à coceira incontrolável na ponta dos dedos e, junto com as numerosas mensagens de autoajuda, replica as notas bombásticas que invadem as mídias eletrônicas, especialmente quando o conteúdo da nota “bate” com o ponto de vista que ele sustenta, a maioria das vezes absorvido por osmose de falsos formadores de opinião.
O Incontinente Digital é um assíduo frequentador dos grupos do wathsapp. Ele não percebe que a maior guerra dos dias atuais é a provocada e estimulada pelos fabricantes de opiniões a serviço deste ou daquele interesse, que encontram nos Incontinentes Digitais os seus maiores aliados no processo de viralização das fake News. Parece que o Incontinente Digital sente verdadeiro orgasmo ao ingenuamente prestar valorosa colaboração no espalhamento das falsas notícias. O relacionamento do produtor de falsas informações e o Incontinente Digital é como o da tampa e do penico.
A Incontinência Digital tem cura? Há controvérsias. Há sim paliativos como, por exemplo, contar até mil antes de dar vazão à incontrolável urticária dos dedos diante das notícias e informações extravagantes, especialmente quando elas contêm opiniões com a qual o portador dessa Incontinência se identifique.
Os Incontinentes Digitais parecem sofrer de outros males como aversão às leituras substanciosas e à reflexão consciente sobre o que leem e veem.
Riobaldo, personagem do clássico “Grande Sertão: Veredas” de João Guimarães Rosa, escrito em meados de século passado, parece referir-se aos Incontinentes Digitais com essa tirada filosófica: “O senhor deve de ficar prevenido: esse povo diverte por demais com a baboseira, do traque de um jumento formam tufão de ventania. Por gosto de rebuliço. Querem porque querem inventar maravilhas glorionhas, depois eles mesmo acabam crendo e temendo. Parece que todo mundo carece disso”.
Antes de dar vazão à sua Incontinência Digital lembre-se das palavras do personagem de Guimarães Rosa. E não faça “Do traque dum jumento um tufão de ventania”.