terça-feira, julho 16

A MAÇONARIA E SEU PADROEIRO, OS SOLSTÍCIOS E A RELIGIOSIDADE CRISTÃ




         

         Nas sindicância para a admissão de um novo irmão maçom, é comum a gente ouvir especialmente das futuras cunhadas, as esposas dos irmãos maçons, perguntas estranhas acerca da Maçonaria. É verdade que existe um bode preto cultuado pelos maçons? Nós esclarecemos tratar-se de uma lenda criada deliberadamente para prejudicar a Ordem Maçônica. Outra pergunta frequente é sobre a postura da Maçonaria ante as religiões. Elas se surpreendem ao saber que só o ateu, aquele que não crê em Deus, não pode ser maçom. O requisito para o homem ser maçom é que ele creia em Deus e professe uma fé.
         Isso porque a Maçonaria existe desde tempos imemoriais e a cada época ela adota práticas  e ritualísticas como as religiões o fazem. Assim, na essência, a Maçonaria guarda semelhança com as grandes religiões, mesmo sendo ela uma ordem laica.
         Atualmente no mundo ocidental, a Maçonaria tem tudo a ver com o Cristianismo. Ela também tem um Padroeiro que é invocado na abertura e no encerramento dos trabalhos de uma Loja Maçônica Justa e Perfeita. Esse padroeiro é São João. Qual seria esse São João? Em resposta a essa questão surgem pelo menos quatro respostas: São João da Escócia, São João Esmoler ou de Jerusalém, São João Batista e São João Evangelista.
         Buscando tirar essa dúvida na literatura maçônica, inclusive na internet, deparamo-nos inicialmente com a informação do irmão Guilherme Cândido, que não menciona sua Loja Maçônica e o seu Oriente. Ele informa que o padroeiro da Maçonaria seria São João da Escócia, isso porque nos rituais dos primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceito, rito seguido na maioria das Lojas vinculadas à Grande Loja Maçônica do Estado do Pará, invocava-se São João da Escócia. Ressalta ainda não haver evidência da real existência de São João da Escócia. Diz ele que o único santo de origem escocesa com o nome João, oficialmente registrado nos anais da  Igreja Católica é o mártir São João Ogilvie que convertido ao catolicismo aos 17 anos, participou de diversas instituições educativas, juntou-se aos jesuítas em 1597 e foi ordenado sacerdote, em 1610, quando o catolicismo sofria uma grande perseguição.  João Ogilvie morreu na forca por ser leal ao Papa e não reconhecer supremacia, em assuntos espirituais, ao soberano do Reino Unido, de que a Escócia faz parte.
         Outro São João que poderia ser o Patrono da Maçonaria, segundo irmão Tiago Oliveira de Castilho, da ARL Sir Alexander Fleming, do Oriente de Porto Alegre, é São João de Jerusalém também conhecido como São João Esmoler. Os valores que ele praticava o credenciam. Ela era um príncipe do reinado de Chipre afeito à benevolência, à ponderação e à tolerância. Homem casado, após perder a esposa e dois filhos, passou a dedicar-se integralmente ao amor ao próximo e à caridade. Assumiu o sacerdócio e entrou para a Ordem Beneditina. Ele apaziguava brigas, arbitrava disputas, dava conselhos, ouvia as reclamações dos necessitados, procurava corrigir os erros e neutralizar o ódio que prejudicava as pessoas. Ninguém para ele era insignificante que não merecesse sua atenção. Ele desarmava os inimigos usando sua humildade e às vezes ajoelhava-se aos pés dos contendores rogando o recíproco perdão. João tinha uma predileção especial pelos visitantes que iam à Terra Santa em visita ao Santo Sepulcro e os ajudava em tudo o que podia. Por sua messe, no século VII João foi canonizado, com o nome São João de Jerusalém, ou São João Esmoler. Sua postura coincidente com os ideais maçônicos, poderia ele ser o Patrono da Maçonaria.
Para a corrente maçônica mais expressiva e influenciada pela Igreja Católica, são padroeiros da Maçonaria São João Batista e São João Evangelista, em razão da data comemorativa desses santos ser próxima do Solstícios de Verão e do Solstício de Inverno.
Solstícios são fenômenos da natureza que tem um forte componente esotérico e a Maçonaria tem também um componente esotérico. O Solstício ocorre quando a terra, que descreve uma órbita elíptica em torno do sol, alcança o afélio, nome dado ao ponto mais distante em relação ao Sol no movimento de translação que o nosso planeta realiza em torno do astro-rei. Nos solstícios, o globo terrestre sofre os efeitos máximos da inclinação de 23 graus e 27 minutos de seu eixo de rotação em relação ao eixo do movimento de translação em torno do sol, o que explica as estações extremas, o Verão e o Inverno. 
Quando o Sol está em sua posição mais boreal, ou seja, ao Norte, é Solstício de Verão no hemisfério norte, o que ocorre no dia 21 de junho, sendo o dia mais longo do ano. Consequentemente, nesse dia do outro lado do planeta, no hemisfério sul, ocorre Solstício de Inverno com a noite mais longa do ano.
Já no 21 de dezembro, o Sol está em sua posição mais austral, isto é, ao Sul. Aí ocorre o fenômeno inverso. No hemisfério sul ocorre o Solstício de Verão com o dia mais longo e no hemisfério norte, o Solstício de Inverno com a noite mais longa.
 Qual o nexo dessas informações científicas com o assunto Santo Padroeiro da Maçonaria? Tudo a ver. Qual a data comemorativa de São João Batista? Dia 24 de junho. E a de São João Evangelista? 27 de dezembro. Ambas as datas são próximas à data dos Solstícios, fenômenos que tem significados importantíssimos para a Humanidade.
Antes de aprofundarmos esses significados, uma breve menção ao equinócio que é o fenômeno oposto e complementar aos Solstícios. O equinócio se dá quando a terra está no periélio, que é o ponto mais próximo da terra em relação ao sol. No equinócio as noites são exatamente iguais nos dois hemisférios da terra, justificando o termo equinócio que vem do latim aequinotio e significa noites iguais. Quando num hemisfério é o equinócio de Primavera, no outro é o de Outono. E vice-versa.
Retornando aos Solstícios. Na extensa e profunda obra de José Castellani, nome que dispensa apresentação no mundo maçônico, aquele médico, escritor e historiador evidencia os vínculos entre os Solstícios, a Maçonaria contemporânea e o Cristianismo. A primeira observação dele é quanto à época do ano em que as maiores autoridades maçônicas, os Grãos Mestres das Grandes Lojas e os Veneráveis Mestres das Lojas Simbólicas, são empossadas. Essas cerimônias de posse ocorrem sempre no Solstício de Verão ou em data próxima a esse momento ímpar do calendário astrológico de profunda importância religiosa e esotérica.
Registra Castellani que o homem primitivo distinguia duas épocas, uma de frio e uma de calor, o que lhe permitia trabalhar a terra de forma mais propícia e produtiva.  Em função dos Solstícios surgiram os cultos solares, com o Sol sendo proclamado o Rei dos Céus por ser fonte de luz e calor, daí exercer influência marcante sobre todas as religiões e crenças posteriores. E desde as antigas civilizações, o homem imaginou os Solstícios como aberturas opostas do céu, como portas, por onde o Sol entrava e por onde ele saía.
O fenômeno dos Solstícios e seus efeitos personificou, na cultura romana, o deus Janus. Aquele que tinha duas faces simetricamente opostas, uma olhando permanentemente para o passado e a outra olhando sempre para o futuro, graças à marcha pendular do Sol entre o trópico de Câncer, no Hemisfério Norte e o trópico de Capricórnio, no Hemisfério Sul. O nome desse Deus romano é emblemático. Ele deriva de janua, palavra latina que significa porta, razão por que ele era também conhecido como Janitur, ou seja, porteiro, daí que era representado com um molho de chaves na mão, significando o guardião das portas do céu. Pela tradição cristã, a alegoria de Janus foi personificada em São Pedro, o Porteiro do Paraíso, só que sem qualquer relação com o Solstício.
O Solstício do trópico de Câncer, 21 de junho, é considerado o Solstício da Esperança e lembra São João Batista. Refere-se à porta que as almas mortais atravessam, a Porta dos Homens. O Solstício do trópico de Capricórnio alude a João Evangelista que é reverenciado em 27 de dezembro. É o Solstício do Reconhecimento, a porta atravessada pelas almas imortais, que é considerada a Porta dos Deuses. Para os antigos egípcios, o Solstício de Câncer era consagrado ao deus Anúbis e os gregos o atribuíam ao deus Hermes. Anúbis e Hermes são, na mitologia desses povos, os encarregados de conduzir as almas ao mundo extraterreno.
O simbolismo cristão vai ao encontro, ou seja, no mesmo sentido dessa interpretação mitológica. Para a Maçonaria, as festas solsticiais são em última análise, as festas de São João Batista e de São João Evangelista. Essa visão guarda forte relação com o deus romano Janus e suas duas faces – o futuro que deve ser construído e o passado de que se deve tirar lições. Na visão simbólica, no fim de cada ano e começo de um a Ano Novo, o passado e o futuro realizam uma transição marcado pelo nascimento de Cristo. O João Batista anuncia a vinda de Jesus e João Evangelista propaga a sua palavra.
A semelhança entre as palavras Janus e Joannes – João em hebraico, Ieho-hannam , que significa graça de Deus – facilitou a troca do Janus pagão pelo João cristão, substituindo uma tradição pagã que se chocava com o cristianismo. E assim os dois São João, o Batista e o Evangelista, foram associados aos Solstícios, o de Verão e o de Inverno, e presidem as festas solsticiais.
Outro dado interessante evidenciado por Catellani é a configuração da constelação de Câncer. As duas estrelas principais se chamam Aselos – do latim Asellus diminutivo de Asinus, ou seja, jumento, burrico. Na tradição hebraica, as duas estrelas se chamam Haiot Nakodish que significa animais de santidade. E são designados pelas duas primeiras letras do alfabeto hebraico, Aleph e Beth, correspondentes ao asno e ao boi. Diante delas, há um pequeno conglomerado de estrelas denominado, em latim, Praesepe, que significa presépio, estrebaria, curral, manjedoura. Como nasceu Jesus Cristo? Ele nasceu em 25 de dezembro sob o signo de Capricórnio, durante o solstício de inverno, sendo colocado em uma manjedoura, entre um asno e um boi.
É importante que se diga que essa data de nascimento de Cristo é puramente simbólica. Para os primeiros cristãos, Jesus teria nascido em julho, sob o signo de Câncer, quando os dias são mais longos no hemisfério Norte. O sentido cristão, no plano simbólico, aborda a Porta dos Homens, ou seja, o Cristo ser humano. Mas Jesus é o ungido, o Messias, o Cristo, na teologia cristã, sendo o polo complementar, a Porta de Deus, sob o signo de Capricórnio. Torna-se assim, compreensível a dualidade.
Um elemento material e um religioso influíram na determinação da data de 25 de dezembro. O material refere-se ao hábito do primeiros cristãos de festejar o nascimento de Jesus Cristo enquanto os romanos festejavam o deus Baco. Entregues aos folguedos e orgias, os romanos reduziam a carga de perseguições aos cristãos.
         O aspecto religioso da determinação da data 25 de dezembro remonta ao Mitraísmo, religião de mistérios surgida na Índia que se difundiu pela Pérsia e chegou ao Médio Oriente, espalhando-se pelo império romano nos séculos seguintes, face à forte adesão de seus soldados ao Mitraísmo, termo que vem de Mitra, uma divindade indo-iraniana que remonta ao segundo milênio a.C. Consta que o imperador romano Teodósio I proibiu a prática dessa religião, no final do terceiro sécuolo da era cristã.  
         Os adeptos do Mitraismo reuniam-se na noite de 24 para 25 de dezembro, a mais longa e mais fria do ano, numa festividade chamada Natalis Invicti Solis, que significa nascimento do Sol triunfante. Durante toda a fria noite eles ficavam fazendo oferendas e preces pela volta da luz e do calor do Sol que era comparado ao deus Mitra. O cristianismo, ao fixar essa data para o nascimento de Jesus, identificou-o como a Luz do Mundo, a luz que surge depois das prolongadas trevas.
Há muito mais aspectos simbólicos na temática dos padroeiros da Maçonaria e nos Solstícios. Uma no entanto se evidencia, a de que na dualidade está o princípio da vida. Diante de Câncer e de Capricórnio, dos dias mais longos do verão e dos mais curtos do inverno, do São João do inverno com as trevas e a Porta de Deus e do São João do verão com a luz e a Porta dos Homens, o Natal de Cristo e os Solstícios são oportunidades de reflexão sobre o passado e de prospecção acerca do futuro, a exemplo do deus Janus. Momento de olharmos, do ponto em que estamos, o que temos sido e o que pretendemos do futuro. Não à toa nas festas de fim/início de ano desejamos o que? Feliz Natal e um Bom Ano Novo. Esses votos adquirem maior significado quando se tem a exata dimensão dos Solstícios e do   Nascimento de Cristo.
Octavio Pessoa – Mestre Maçom da Loja Fênix e Fraternidade 53, da Grande Loja Maçônica do Estado do Pará e membro efetivo da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará. 

2 comentários:

  1. Texto de grande profundidade e de elevada reflexão. Perfeitamente escrito. Parabéns. Ramos, GLMDF. TFA

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  2. Texto de grande profundidade e de elevada reflexão. Perfeitamente escrito. Ramos, GLMDF. TFA.

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