Requiem aos Heróis da
Pandemia do Coronavirus.
(Publicado originalmente no Diário do Pará, edição de 6/5/2020)
Octávio Pessôa*
Ele
podia se chamar Hércules, Sansão ou Maciste. Ou quem sabe Manuel, Joaquim, João
ou simplesmente José da Silva. Não importa. Nada mais democrático do que os
efeitos de uma pandemia como esta que marca tristemente a Humanidade, neste primeiro
quartel do Século XXI. Não há rico nem pobre, culto ou ignóbil, bem relacionado
ou pessoa do povo. Os efeitos da Pandemia do Covid-19 iguala todo mundo. Os cuidados é que podem variar.
Fiel a
Hipócrates, o pai da Medicina, ele honrou seus compromissos dignamente, diante
do desespero da massa clamando pela Vida. Virou plantões, supriu a carência de
colegas, fez parte de equipes profissionais reduzidas para a realização de um
trabalho eficaz. Ele se sensibilizava ante o clamor de quem pedia pela
sobrevivência de um pai, uma mãe, um irmão, um amigo ou colega de trabalho. E especialmente pela própria sobrevivência.
Um
dia “caiu-lhe a ficha” dos efeitos da sua dedicação extremada, ao começar a
perceber em si próprio os sintomas do mal contra o qual lutava diariamente. Foi
o próximo a abandonar o front da
guerra desigual contra o inimigo invisível.
Consciente de
que, àquela altura, o hospital era ironicamente o último lugar em que deveria ficar,
partiu resignadamente para o isolamento doméstico, lamentando muito não poder
continuar na messe que abraçara desde a juventude. Em casa, internou-se no
menor cômodo do modesto apartamento classe média em que morava, deixando os
mais confortáveis à esposa e à tia que com eles morava desde o início do
casamento. Seu maior temor era que o SARS-Cov-2, o maldito vírus da COVID-19,
contaminasse essa verdadeira segunda mãe.
Recolhido,
ele adotava os procedimentos adequados que dominava e usava a medicação própria.
Cidadão consciente, ele assistia aos programas jornalístico da televisão e se indignava
ante da ideologização do vírus e a utilização política de um fato que merece
ser tratado com objetividade e determinação. Sentia verdadeiro asco ante a
postura arrogante e debochada do mandatário maior do país a dar péssimo exemplo
ao povo, agindo na contramão das orientações da Organização Mundial da Saúde e
dos setores consequentes de seu próprio governo. Ele sofreu demais ao ver o
presidente rifar seu ministro da saúde porque este, profissional coerente,
orientava o público a agir da forma correta. É o chefe com medo da sombra do subordinado,
ele pensava. Para não aumentar seu sofrimento, decidiu não mais ver televisão.
Ele necessitava de repouso, sabia, a tensão prejudicava sua recuperação. Passou
a priorizar a leitura quando seu estado permitia.
Seu sofrimento se acentuava quando
lembrava da amada netinha, e não podia sair para abraçá-la e lhe mostrar todo
seu carinho de avô de primeira viagem. Na reclusão não desejada, ele lembrava dos
belos momentos vividos com aquela criança e sua mãezinha, a filha única, e com toda
a família, feliz convivência, bálsamo que compensava todas as dificuldades e
frustrações que pudesse estar atravessando. Quantas tardes, quantos domingos,
quantos fins de semana ele viveu ao lado da família e de amigos, nos bons tempos
antes da pandemia do Coronavirus.
Na
primeira etapa da internação domiciliar teve relativa melhora. Seguiu-se depois
um quadro irreversível de agravamento.
Partiu
para a Eternidade aquele que um dia jurou consagrar a vida a serviço da
humanidade, da saúde e do bem-estar do paciente como suas primeiras
preocupações. A respeitar a vida humana, a autonomia e a dignidade do paciente,
guardando o máximo respeito pela vida humana. A não permitir que considerações
sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo,
nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou
qualquer outro fator se interpusessem entre o seu dever e o seu paciente,
respeitando os segredos que lhe fossem confiados, mesmo após a morte do doente.
A fomentar a honra e as nobres tradições da profissão, guardando respeito e
gratidão aos seus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido, partilhando
seus conhecimentos médicos em benefício dos pacientes e da melhoria dos
cuidados de saúde. Até onde a triste realidade da pandemia do coronavirus lhe permitiu,
ele cuidou da sua própria saúde, bem-estar e capacidade para prestar cuidados
da maior qualidade, não tendo nunca usado de seus conhecimentos médicos para
violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça. Promessas que fez
solene e livremente, sob palavra de honra, no dia de sua formatura.
(Com esse conto homenageio todos
os médicos e médicas e outros profissionais da área de saúde que tiveram a vida
ceifada pela terrível Pandemia do Coronavirus, Covid-19. Reconhecimento que
estendo aos que permanecem na luta nessa guerra desigual).
* Jornalista e Escritor.
Anonimo
ResponderExcluirQual significado por favor
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