sábado, janeiro 29

A LITERATURA NORDESTINA PEDE PASSAGEM

 


Foi numa Live da Loja de Estudos George Washington 87, da Grande Loja Maçônica do Estado do Pará/Glepa, que eu o conheci. Era eu o palestrante do dia e abordava a temática A Família Maçônica e as Fakenews. Os irmãos de Loja e eu tivemos a grata satisfação de contar com a presença de um irmão de outro Oriente, naquele encontro virtual.

A interação foi muito boa e, acabada a sessão, ele e eu passamos a “trocar figurinhas”. Afinidades se evidenciaram e passamos a interagir por meio eletrônico.

Ele também é escritor e poeta (vez ou outra eu também “cometo” poesias rsrsrs) mas a “minha” é realmente a prosa, em artigos, crônicas, contos, romances e afins. Vibrei quando recebi três obras de autoria do meu novo amigo. Também lhe enviei um exemplar das minhas obras.

Nas “Pedras que cantam” o prefaciador, Homero Castelo Branco, ressalta “um

tecido filigranado de sentimento. A natureza está sempre presente. Casa a simplicidade do estilo com a boa escolha do assunto, revestido de uma graça no dizer de que não falta repórter aqui e ele, uma flor do sertão, revela sua destreza e domínio da escrita que precisa dizer tudo de forma clara e direta”

Nessa crônica que dá título ao livro, o autor registra que “Se as pessoas calam, as pedras falam” e ressalta que o recado das pedras sacode as pilastras que sustentam a estrutura social pois quase sempre são atos e fatos praticados, por ação ou omissão, por quem detém o poder legitimado pelo povo.  E registra que sem uma ação humanizadora e eficaz “as pedras continuarão a cantar”.

Alguns dos petardos: O rastro da barbárie, Quem nos garante o futuro?, Assim caminha a humanidade!, Ambição e ódio, Este ano tem espetáculo? Tem sim senhor!, Ao vencedor as batatas, O avesso do avesso,  Será que vai cair água?

As atitudes denunciadas pelo autor ocorrem, infelizmente, em quase todos os lugares do nosso país e merecem ser denunciadas. E combatidas. Que suas pedras cantem e continuem cantando, meu prezado amigo e irmão.


Noutro livro, Filhos do Asfalto, o sentimento e o estilo do autor também são presentes. São 45 crônicas em que ele denuncia episódios do cotidiano de sua terra e sua gente. É o trânsito engarrafado, o desespero de passageiros nas paradas e o inferno dentro dos ônibus, o consumismo estimulado e absorvido pelas massas, as questões de saúde do povo mal resolvidas e as propinas pagas para receber um atendimento mais digno a quem é pago para cuidar da saúde do povo. E outras mais.

   Mais uma vez fica evidente que a realidade denunciada não é privilégio desta ou daquela cidade brasileira. É uma questão cultural e conjuntural que enquanto não revertida poderosos continuarão com privilégios e a massa sempre oprimida.


O fato do autor denunciar injustiças não faz dele um ser amargo ou desprovido de sentimentos. Pelo contrário. Em seu livro de poemas Minha vida em sua boca, ele ressalta a delicadeza da alma humana, em poemas eróticos onde a lascívia está presente sem resvalar na pornografia ou no grotesco.  

Já no prefácio, a mestra em Teoria da Literatura pela PUC/RS e professora de Teoria Literária, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Literatura Ocidental, Joselita Izabel de Jesus, realiza um verdadeiro ensaio sobre as formas de proibição do desejo humano na família, nas religiões, na escola, na Ciência e especialmente no mundo do trabalho. É aquilo que Georges Bataille, em seu ensaio sobre o erotismo chamou de interditos.

Diz Joselita que a literatura erótica se impõe como eficaz instrumento de transgressão. E acrescenta que nesse contexto se insere Minha vida em sua Boca, que pode soar agressiva “aos leitores mais comportados”, a quem ela sugere a leitura de Sonetos luxuriosos, de Pietro Arentino, Os 120 dias de Sodoma ou A escola da libertinagem, do Marquês de Sade. Bem como Diário de um fascenino, de Rubem Fonseca, Prêmio Camões de Literatura, 2003. Diante dessas obras e da tetralogia de Hilda Hist (Cartas de um sedutor; A obscena senhora D; Contos d’escárnio: textos grotescos; e o Caderno de Rosa de Lori Lamby), diz Joselita, “o recatado leitor vai considerar os poemas de Minha vida em sua boca, bem amenos, quase sacros”. Para a prefaciadora, os poemas de Minha vida em sua boca são genuínos exemplos de textos eróticos. Raciocínio que eu acompanho e assino em baixo.



 Mas afinal, quem é esse autor que concilia o justo arroubo contra as injustiças em suas crônicas e a sensualidade e o erotismo em seus poemas?




É Francisco de Assis Sousa.  Nascido em São Julião, no sul do Piauí, é graduado em Letras/Português pela Universidade Estadual do Piauí, com especialização em Linguística pela Universidade Federal do Piauí, em Literatura Brasileira e Planejamento e Política Educacional pela URCA. Dedicado à Educação e às Letras, ele ensina a juventude estimulando o hábito da leitura. Mais que professor ele é um verdadeiro Mestre, na minha avaliação.

 

Requiem aos Heróis da Pandemia do Coronavirus.

(Publicado originalmente no Diário do Pará, edição de 6/5/2020)

Octávio Pessôa*

 

                Ele podia se chamar Hércules, Sansão ou Maciste. Ou quem sabe Manuel, Joaquim, João ou simplesmente José da Silva. Não importa. Nada mais democrático do que os efeitos de uma pandemia como esta que marca tristemente a Humanidade, neste primeiro quartel do Século XXI. Não há rico nem pobre, culto ou ignóbil, bem relacionado ou pessoa do povo. Os efeitos da Pandemia do Covid-19 iguala todo mundo.  Os cuidados é que podem variar.

Fiel a Hipócrates, o pai da Medicina, ele honrou seus compromissos dignamente, diante do desespero da massa clamando pela Vida. Virou plantões, supriu a carência de colegas, fez parte de equipes profissionais reduzidas para a realização de um trabalho eficaz. Ele se sensibilizava ante o clamor de quem pedia pela sobrevivência de um pai, uma mãe, um irmão, um amigo ou colega de trabalho.  E especialmente pela própria sobrevivência.

                Um dia “caiu-lhe a ficha” dos efeitos da sua dedicação extremada, ao começar a perceber em si próprio os sintomas do mal contra o qual lutava diariamente. Foi o próximo a abandonar o front da guerra desigual contra o inimigo invisível.

Consciente de que, àquela altura, o hospital era ironicamente o último lugar em que deveria ficar, partiu resignadamente para o isolamento doméstico, lamentando muito não poder continuar na messe que abraçara desde a juventude. Em casa, internou-se no menor cômodo do modesto apartamento classe média em que morava, deixando os mais confortáveis à esposa e à tia que com eles morava desde o início do casamento. Seu maior temor era que o SARS-Cov-2, o maldito vírus da COVID-19, contaminasse essa verdadeira segunda mãe.   

                Recolhido, ele adotava os procedimentos adequados que dominava e usava a medicação própria. Cidadão consciente, ele assistia aos programas jornalístico da televisão e se indignava ante da ideologização do vírus e a utilização política de um fato que merece ser tratado com objetividade e determinação. Sentia verdadeiro asco ante a postura arrogante e debochada do mandatário maior do país a dar péssimo exemplo ao povo, agindo na contramão das orientações da Organização Mundial da Saúde e dos setores consequentes de seu próprio governo. Ele sofreu demais ao ver o presidente rifar seu ministro da saúde porque este, profissional coerente, orientava o público a agir da forma correta. É o chefe com medo da sombra do subordinado, ele pensava. Para não aumentar seu sofrimento, decidiu não mais ver televisão. Ele necessitava de repouso, sabia, a tensão prejudicava sua recuperação. Passou a priorizar a leitura quando seu estado permitia.  

          Seu sofrimento se acentuava quando lembrava da amada netinha, e não podia sair para abraçá-la e lhe mostrar todo seu carinho de avô de primeira viagem. Na reclusão não desejada, ele lembrava dos belos momentos vividos com aquela criança e sua mãezinha, a filha única, e com toda a família, feliz convivência, bálsamo que compensava todas as dificuldades e frustrações que pudesse estar atravessando. Quantas tardes, quantos domingos, quantos fins de semana ele viveu ao lado da família e de amigos, nos bons tempos antes da pandemia do Coronavirus.

                Na primeira etapa da internação domiciliar teve relativa melhora. Seguiu-se depois um quadro irreversível de agravamento.

                Partiu para a Eternidade aquele que um dia jurou consagrar a vida a serviço da humanidade, da saúde e do bem-estar do paciente como suas primeiras preocupações. A respeitar a vida humana, a autonomia e a dignidade do paciente, guardando o máximo respeito pela vida humana. A não permitir que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interpusessem entre o seu dever e o seu paciente, respeitando os segredos que lhe fossem confiados, mesmo após a morte do doente. A fomentar a honra e as nobres tradições da profissão, guardando respeito e gratidão aos seus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido, partilhando seus conhecimentos médicos em benefício dos pacientes e da melhoria dos cuidados de saúde. Até onde a triste realidade da pandemia do coronavirus lhe permitiu, ele cuidou da sua própria saúde, bem-estar e capacidade para prestar cuidados da maior qualidade, não tendo nunca usado de seus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça. Promessas que fez solene e livremente, sob palavra de honra, no dia de sua formatura.

(Com esse conto homenageio todos os médicos e médicas e outros profissionais da área de saúde que tiveram a vida ceifada pela terrível Pandemia do Coronavirus, Covid-19. Reconhecimento que estendo aos que permanecem na luta nessa guerra desigual).

* Jornalista e Escritor.

 

O APRENDIZ DE ESCRITOR

 

(Publicado originalmente em minha página do Facebook, em 11ago2021)

 

É gratificante a gente ler um livro e se identificar com o que diz o autor. Especialmente quando a obra trata do objeto de trabalho que fazemos com prazer.

Foi assim que eu me senti ao “degustar” o Aprendiz de escritor — Sobre livros, leituras e escritos. Não se trata de mais um manual de fórmulas para se aprender a escrever, que invariavelmente não funcionam. É um livro de modesto título e de valor inestimável para quem lida com textos ou pretende com eles trabalhar. 

O autor, Odenildo Sena, aborda o ato de escrever de forma leve e dialogada com o leitor, dando dicas para a produção de um bom texto. Ele enfatiza a importância do hábito da leitura, especialmente de autores reconhecidos pela arte de escrever, mais uma concordância entre mim e o autor do livro. Sempre entendi que quem não lê não escreve. E se escreve, o faz de forma deficiente para dizer o mínimo. 

Odenildo cita vários escritores e obras indispensáveis que estimulam o hábito da leitura. Ele fala sobre as estratégias que usa na redação de seus textos, tal como nunca conformar-se com a primeira versão final de um texto. É prudente deixá-lo descansar e retomá-lo mais adiante. Escrever e reescrever até sentir que o texto está em condições de ser publicado. Não significando que ele esteja acabado, pois o livro não termina no ponto final do autor, quem o conclui é o leitor. 

Tanto é assim que Odenildo discorda e eu estou com ele, do que disse certa vez o escritor argentino Jorge Luís Borges, que a pessoa mais importante no livro é o autor. Não. A mais importante é o leitor ao formar sua ideia no fim da leitura. Com a liberdade de rever seu entendimento nas releituras.

Confesso a você, amigo leitor. Li o Aprendiz de escritor num fim de semana. E fui sublinhando diversas passagens, método também sugerido e usado por Odenildo. Resultado: o livro ficou bastante marcado. Não faz mal. Pra mim, livro lido é livro anotado. 

Escrevi e reescrevi diversas vezes este texto, como sempre faço e o autor do Aprendiz de Escritor assim sugere. E com a certeza de que cada leitor terá uma forma de vê-lo. 

Odenildo e eu não somos velhos conhecidos mas o fascínio por livros nos une, além de ambos sermos amazonenses, ele de Manaus e eu de Parintins. Por ora, conheço-o virtualmente, o que foi proporcionado por um amigo comum, o jornalista, poeta e compositor Zeca Torres, Torrinho, ícone da cultura e da música do Amazonas, autor e compositor de Porto de Lenhas, a “Cara de Manaus”. E tantas outras. 

Daí surgiu uma interação à distância muito promissora. O Odenildo brindou-me com um exemplar do Aprendiz de Escritor e eu retribuí a gentileza com um do meu Asas de um rio. 

Com certeza ainda vamos nos conhecer pessoalmente. Seja em Leça da Palmeira, onde ele reside atualmente lá em Portugal, aqui em Belém, em Manaus ou quem sabe onde. E vamos degustar vinhos e queijos e conversar bastante sobre os assuntos que nos aproximam. 

Odenildo Sena é formado em Letras pela Universidade do Amazonas, onde lecionou Língua e Literatura Portuguesa por muitos anos. Especialista em Psicologia em Ensino e Aprendizagem pela Universidade de Campinas e Mestre em Linguística Aplicada pela PUC/SP, com a dissertação “A Semântica do Poder”, onde analisa a influência de um dado universo léxico próprio do período ditatorial. Tornou-se Doutor em 1997 pela mesma PUC/SP com a tese “De Fernando a Fernando: as teias ideológicas do poder”, em que analisa o discurso dos dois primeiros presidentes civis, após o período militar.

Além do Aprendiz de Escritor, editado pela Valer, de Manaus/AM, em 2020, são outras obra de Odenildo: No tempo do eu menino, coletânea de crônicas (Valer/ 2015); Mazelas do livro didático, ensaios (Valer/2016); Tempos de memória, crônicas (Casa Literária/2016); Palavra, poder e ensino da língua, obra em que ele evidencia suas preocupações e compromisso com a desmitificação dos processos que envolvem a constituição da Língua, concebida não como mero “instrumento de comunicação entre indivíduos”, (Valer/2019). 

E a sua obra prima, que será minha próxima leitura: A engenharia do texto, um caminho rumo à prática da boa redação, editado em 2011 pela Valer e em 2018 pela Chiado Books, de Lisboa.

 


 

                                        BUEN CAMINO - Relatos de uma viagem.

 

(Resenha do livro solicitada pela autora Josette Lassance. Publicado originariamente na minha página do Facebook, em 7 de julho de 2021)

 

“O caminho é um aprendizado e uma grande loucura que só sente quem o faz. Bebo vinho para sonhar ao que vim e para o que sinto de verdade. Ninguém pode afirmar ao certo o que você possa sentir — o sentimento está tão dentro, tão fundo — e minha conquista é o percurso, não apenas a beleza do lugar, é mais pelo pulsar verdadeiro do que está vivo” diz a escritora paraense Josette Lassance em seu livro BUEN CAMINO – Relatos de Viagem, Editora Paka-Tatu, 2019.

 

A autora logrou certamente alcançar o propósito místico e ancestral do Caminho de Santiago.

 

Caminhar é também uma forma de sonhar por um pensamento que nos satisfaça e também um percurso através da vida. Uma forma de aprender, antes de morrer, a abandonar o que nos torna nocivos e a nos entregar às nossas vontades mais verdadeiras, diz Josette que é professora de História e Artes Visuais e pós-graduada em Artes, autora de diversos livros e com participação em diversas antologias.

 

Muitas são as explicações para o culto a Santiago e a razão para se percorrer os caminhos que levam a Santiago de Compostela, cidade da província de Corunha, capital da unidade autônoma da Galiza, no nordeste espanhol. A mais aceita é a de que, vindo da Terra Santa no ano 34 d.C., o apóstolo Santiago pregou pela primeira vez em Iria Flávia, cidade próxima de Compostela. Sua ação evangelizadora muito incomodava, razão por que foi perseguido e morto por decapitação na Judéia. Muito querido por seus discípulos, dois deles, Teodoro e Atanásio, levaram de barco o corpo e a cabeça de Santiago até Padron que então, era o porto de Iria Flávia. Eles teriam enterrado os restos mortais de Santiago no monte Libredón, onde hoje se ergue a catedral de Santiago. Na virada do século oitavo para o nono, o rei Afonso II das Astúrias, o Casto, teria sido o primeiro a peregrinar até Santiago. Ele mandou construir uma igreja no local onde, reza a lenda, estão os restos mortais de Santiago. Ali se estabeleceu uma comunidade religiosa permanente que com o passar dos anos tornou-se um dos principais centros de peregrinação da cristandade. As rotas se estenderam por toda a Europa cristã, aumentando a cada ano o afluxo de peregrinos. Muitos desses ao longo do seu Caminho de Santiago refletem sobre sua vida e não raramente voltam pessoas muito melhores.

 

No final da obra, Josette relaciona as cidades da rota francesa, dá sugestões do que levar durante o caminho e fala também da credencial do peregrino — documento semelhante a um passaporte que identifica o peregrino, que deve apresentá-lo nos lugares em que chega. Hoje essa credencial simboliza que o detentor é alguém que fez a peregrinação com sentido cristão, mesmo que seja uma atitude de busca. O livro é portanto uma leitura recomendada para se conhecer a temática e especialmente para quem sonha um dia realizar o seu Caminho de Santiago.

 

BUEN CAMINO, prefaciado pelo poeta e professor de Poéticas e Cultura Amazônica, da UFPA, João de Jesus Paes Loureiro, que no final ressalta não ter Josette queimado os objetos usados no seu Caminho de Santiago, em Finisterra – cidade que por muito tempo foi considerada o fim do mundo por situar-se no extremo sul de uma península. Essa queima dos objetos em Finisterra é uma práxis tradicional para os que fazem o Caminho de Santiago. Ela optou por escrever seus desejos e colocá-los sob a pedra das promessas. Daí conclui Jesus “Só a palavra poética resiste ao fogo, às cinzas, ao fim da terra, às chamas ardentes do tempo”.