Nas sindicância para a admissão de um
novo irmão maçom, é comum a gente ouvir especialmente das futuras cunhadas, as esposas dos irmãos maçons, perguntas estranhas acerca da Maçonaria. É verdade que existe um bode preto
cultuado pelos maçons? Nós esclarecemos tratar-se de uma lenda criada deliberadamente
para prejudicar a Ordem Maçônica. Outra pergunta frequente é sobre a postura da
Maçonaria ante as religiões. Elas se surpreendem ao saber que só o ateu,
aquele que não crê em Deus, não pode ser maçom. O requisito para o homem ser
maçom é que ele creia em Deus e professe uma fé.
Isso porque a Maçonaria existe desde
tempos imemoriais e a cada época ela adota práticas e ritualísticas como as religiões o fazem. Assim,
na essência, a Maçonaria guarda semelhança com as grandes religiões, mesmo
sendo ela uma ordem laica.
Atualmente no mundo ocidental, a
Maçonaria tem tudo a ver com o Cristianismo. Ela também tem um Padroeiro que é
invocado na abertura e no encerramento dos trabalhos de uma Loja Maçônica Justa
e Perfeita. Esse padroeiro é São João. Qual seria esse São João? Em resposta a
essa questão surgem pelo menos quatro respostas: São João da Escócia, São João
Esmoler ou de Jerusalém, São João Batista e São João Evangelista.
Buscando tirar essa dúvida na literatura
maçônica, inclusive na internet, deparamo-nos inicialmente com a informação
do irmão Guilherme Cândido, que não menciona sua Loja Maçônica e o seu Oriente.
Ele informa que o padroeiro da Maçonaria seria São João da Escócia, isso porque
nos rituais dos primórdios do Rito Escocês Antigo e Aceito, rito seguido na
maioria das Lojas vinculadas à Grande Loja Maçônica do Estado do Pará, invocava-se
São João da Escócia. Ressalta ainda não haver evidência da real
existência de São João da Escócia. Diz ele que o único santo de origem escocesa com o
nome João, oficialmente registrado nos anais da Igreja Católica é o mártir São João
Ogilvie que convertido ao catolicismo aos 17 anos, participou de diversas
instituições educativas, juntou-se aos jesuítas em 1597 e foi ordenado
sacerdote, em 1610, quando o catolicismo sofria uma grande perseguição. João Ogilvie morreu
na forca por ser leal ao Papa e não reconhecer supremacia, em assuntos
espirituais, ao soberano do Reino Unido, de que a Escócia faz parte.
Outro São João que poderia ser o Patrono
da Maçonaria, segundo irmão Tiago Oliveira de Castilho, da ARL Sir Alexander
Fleming, do Oriente de Porto Alegre, é São João de Jerusalém também conhecido
como São João Esmoler. Os valores que ele praticava o credenciam. Ela era um
príncipe do reinado de Chipre afeito à benevolência, à ponderação e à
tolerância. Homem casado, após perder a esposa e dois filhos, passou a
dedicar-se integralmente ao amor ao próximo e à caridade. Assumiu o sacerdócio e
entrou para a Ordem Beneditina. Ele apaziguava brigas, arbitrava disputas, dava
conselhos, ouvia as reclamações dos necessitados, procurava corrigir os erros e
neutralizar o ódio que prejudicava as pessoas. Ninguém para ele era
insignificante que não merecesse sua atenção. Ele desarmava os inimigos usando
sua humildade e às vezes ajoelhava-se aos pés dos contendores rogando o
recíproco perdão. João tinha uma predileção especial pelos visitantes que iam à
Terra Santa em visita ao Santo Sepulcro e os ajudava em tudo o que podia. Por
sua messe, no século VII João foi canonizado, com o nome São João de Jerusalém,
ou São João Esmoler. Sua postura coincidente com os ideais maçônicos, poderia ele ser o Patrono da Maçonaria.
Para a corrente maçônica mais expressiva
e influenciada pela Igreja Católica, são padroeiros da Maçonaria São João
Batista e São João Evangelista, em razão da data comemorativa desses santos ser
próxima do Solstícios de Verão e do Solstício de Inverno.
Solstícios são fenômenos da natureza que
tem um forte componente esotérico e a Maçonaria tem também um componente esotérico. O Solstício
ocorre quando a terra, que descreve uma órbita elíptica em torno do sol,
alcança o afélio, nome dado ao ponto mais distante em relação ao Sol no movimento
de translação que o nosso planeta realiza em torno do astro-rei. Nos solstícios,
o globo terrestre sofre os efeitos máximos da inclinação de 23 graus e 27
minutos de seu eixo de rotação em relação ao eixo do movimento de translação em
torno do sol, o que explica as estações extremas, o Verão e o Inverno.
Quando o Sol está em sua posição mais
boreal, ou seja, ao Norte, é Solstício de Verão no hemisfério norte, o que
ocorre no dia 21 de junho, sendo o dia mais longo do ano. Consequentemente,
nesse dia do outro lado do planeta, no hemisfério sul, ocorre Solstício de
Inverno com a noite mais longa do ano.
Já no 21 de dezembro, o Sol está em sua
posição mais austral, isto é, ao Sul. Aí ocorre o fenômeno inverso. No
hemisfério sul ocorre o Solstício de Verão com o dia mais longo e no hemisfério
norte, o Solstício de Inverno com a noite mais longa.
Qual
o nexo dessas informações científicas com o assunto Santo Padroeiro da
Maçonaria? Tudo a ver. Qual a data comemorativa de São João Batista? Dia 24 de
junho. E a de São João Evangelista? 27 de dezembro. Ambas as datas são próximas
à data dos Solstícios, fenômenos que tem significados importantíssimos para a
Humanidade.
Antes de aprofundarmos esses
significados, uma breve menção ao equinócio que é o fenômeno oposto e complementar aos
Solstícios. O equinócio se dá quando a terra está no periélio, que é o ponto
mais próximo da terra em relação ao sol. No equinócio as noites são exatamente
iguais nos dois hemisférios da terra, justificando o termo equinócio que vem do
latim aequinotio e significa noites
iguais. Quando num hemisfério é o equinócio de Primavera, no outro é o de
Outono. E vice-versa.
Retornando aos Solstícios. Na extensa e
profunda obra de José Castellani, nome que dispensa apresentação no mundo
maçônico, aquele médico, escritor e historiador evidencia os vínculos entre os
Solstícios, a Maçonaria contemporânea e o Cristianismo. A primeira observação
dele é quanto à época do ano em que as maiores autoridades maçônicas, os Grãos
Mestres das Grandes Lojas e os Veneráveis Mestres das Lojas Simbólicas, são
empossadas. Essas cerimônias de posse ocorrem sempre no Solstício de Verão ou
em data próxima a esse momento ímpar do calendário astrológico de profunda
importância religiosa e esotérica.
Registra Castellani que o homem
primitivo distinguia duas épocas, uma de frio e uma de calor, o que lhe permitia
trabalhar a terra de forma mais propícia e produtiva. Em função dos Solstícios surgiram os cultos
solares, com o Sol sendo proclamado o Rei dos Céus por ser fonte de luz e calor,
daí exercer influência marcante sobre todas as religiões e crenças posteriores.
E desde as antigas civilizações, o homem imaginou os Solstícios como aberturas
opostas do céu, como portas, por onde o Sol entrava e por onde ele saía.
O fenômeno dos
Solstícios e seus efeitos personificou, na cultura romana, o deus Janus. Aquele
que tinha duas faces simetricamente opostas, uma olhando permanentemente para o
passado e a outra olhando sempre para o futuro, graças à marcha pendular do Sol
entre o trópico de Câncer, no Hemisfério Norte e o trópico de Capricórnio, no
Hemisfério Sul. O nome desse Deus romano é emblemático. Ele deriva de janua, palavra latina que significa
porta, razão por que ele era também conhecido como Janitur, ou seja, porteiro, daí
que era representado com um molho de chaves na mão, significando o guardião das
portas do céu. Pela tradição cristã, a alegoria de Janus foi personificada em São
Pedro, o Porteiro do Paraíso, só que sem qualquer relação com o Solstício.
O Solstício do
trópico de Câncer, 21 de junho, é considerado o Solstício da Esperança e lembra
São João Batista. Refere-se à porta que as almas mortais atravessam, a Porta
dos Homens. O Solstício do trópico de Capricórnio alude a João Evangelista que é
reverenciado em 27 de dezembro. É o Solstício do Reconhecimento, a porta
atravessada pelas almas imortais, que é considerada a Porta dos Deuses. Para os
antigos egípcios, o Solstício de Câncer era consagrado ao deus Anúbis e os
gregos o atribuíam ao deus Hermes. Anúbis e Hermes são, na mitologia desses
povos, os encarregados de conduzir as almas ao mundo extraterreno.
O simbolismo
cristão vai ao encontro, ou seja, no mesmo sentido dessa interpretação
mitológica. Para a Maçonaria, as festas solsticiais são em última análise, as
festas de São João Batista e de São João Evangelista. Essa visão guarda forte
relação com o deus romano Janus e suas duas faces – o futuro que deve ser construído
e o passado de que se deve tirar lições. Na visão simbólica, no fim de cada ano
e começo de um a Ano Novo, o passado e o futuro realizam uma transição marcado
pelo nascimento de Cristo. O João Batista anuncia a vinda de Jesus e João
Evangelista propaga a sua palavra.
A semelhança
entre as palavras Janus e Joannes – João em hebraico, Ieho-hannam , que
significa graça de Deus – facilitou a troca do Janus pagão pelo João cristão, substituindo
uma tradição pagã que se chocava com o cristianismo. E assim os dois São João,
o Batista e o Evangelista, foram associados aos Solstícios, o de Verão e o de
Inverno, e presidem as festas solsticiais.
Outro dado interessante
evidenciado por Catellani é a configuração da constelação de Câncer. As duas
estrelas principais se chamam Aselos – do latim Asellus diminutivo de Asinus,
ou seja, jumento, burrico. Na tradição hebraica, as duas estrelas se chamam Haiot
Nakodish que significa animais de santidade. E são designados pelas duas
primeiras letras do alfabeto hebraico, Aleph e Beth, correspondentes ao asno e
ao boi. Diante delas, há um pequeno conglomerado de estrelas denominado, em
latim, Praesepe, que significa presépio, estrebaria, curral, manjedoura. Como
nasceu Jesus Cristo? Ele nasceu em 25 de dezembro sob o signo de Capricórnio,
durante o solstício de inverno, sendo colocado em uma manjedoura, entre um asno
e um boi.
É importante que
se diga que essa data de nascimento de Cristo é puramente simbólica. Para os primeiros
cristãos, Jesus teria nascido em julho, sob o signo de Câncer, quando os dias
são mais longos no hemisfério Norte. O sentido cristão, no plano simbólico,
aborda a Porta dos Homens, ou seja, o Cristo ser humano. Mas Jesus é o ungido,
o Messias, o Cristo, na teologia cristã, sendo o polo complementar, a Porta de
Deus, sob o signo de Capricórnio. Torna-se assim, compreensível a dualidade.
Um elemento material
e um religioso influíram na determinação da data de 25 de dezembro. O material
refere-se ao hábito do primeiros cristãos de festejar o nascimento de Jesus
Cristo enquanto os romanos festejavam o deus Baco. Entregues aos folguedos e
orgias, os romanos reduziam a carga de perseguições aos cristãos.
O
aspecto religioso da determinação da data 25 de dezembro remonta ao Mitraísmo,
religião de mistérios surgida na Índia que se difundiu pela Pérsia e chegou ao
Médio Oriente, espalhando-se pelo império romano nos séculos seguintes, face à
forte adesão de seus soldados ao Mitraísmo, termo que vem de Mitra, uma divindade indo-iraniana que remonta
ao segundo milênio a.C. Consta que o imperador romano Teodósio I proibiu a
prática dessa religião, no final do terceiro sécuolo da era cristã.
Os adeptos do Mitraismo reuniam-se na
noite de 24 para 25 de dezembro, a mais longa e mais fria do ano, numa
festividade chamada Natalis Invicti Solis, que significa nascimento do Sol
triunfante. Durante toda a fria noite eles ficavam fazendo oferendas e preces
pela volta da luz e do calor do Sol que era comparado ao deus Mitra. O
cristianismo, ao fixar essa data para o nascimento de Jesus, identificou-o como
a Luz do Mundo, a luz que surge depois das prolongadas trevas.
Há muito mais
aspectos simbólicos na temática dos padroeiros da Maçonaria e nos Solstícios. Uma
no entanto se evidencia, a de que na
dualidade está o princípio da vida. Diante de Câncer e de Capricórnio, dos
dias mais longos do verão e dos mais curtos do inverno, do São João do inverno
com as trevas e a Porta de Deus e do São João do verão com a luz e a Porta dos
Homens, o Natal de Cristo e os Solstícios são oportunidades de reflexão sobre o
passado e de prospecção acerca do futuro, a exemplo do deus Janus. Momento de
olharmos, do ponto em que estamos, o que temos sido e o que pretendemos do
futuro. Não à toa nas festas de fim/início de ano desejamos o que? Feliz Natal
e um Bom Ano Novo. Esses votos adquirem maior significado quando se tem a exata
dimensão dos Solstícios e do Nascimento de Cristo.
Octavio Pessoa –
Mestre Maçom da Loja Fênix e Fraternidade 53, da Grande Loja Maçônica do Estado
do Pará e membro efetivo da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará.