sábado, janeiro 29

A LITERATURA NORDESTINA PEDE PASSAGEM

 


Foi numa Live da Loja de Estudos George Washington 87, da Grande Loja Maçônica do Estado do Pará/Glepa, que eu o conheci. Era eu o palestrante do dia e abordava a temática A Família Maçônica e as Fakenews. Os irmãos de Loja e eu tivemos a grata satisfação de contar com a presença de um irmão de outro Oriente, naquele encontro virtual.

A interação foi muito boa e, acabada a sessão, ele e eu passamos a “trocar figurinhas”. Afinidades se evidenciaram e passamos a interagir por meio eletrônico.

Ele também é escritor e poeta (vez ou outra eu também “cometo” poesias rsrsrs) mas a “minha” é realmente a prosa, em artigos, crônicas, contos, romances e afins. Vibrei quando recebi três obras de autoria do meu novo amigo. Também lhe enviei um exemplar das minhas obras.

Nas “Pedras que cantam” o prefaciador, Homero Castelo Branco, ressalta “um

tecido filigranado de sentimento. A natureza está sempre presente. Casa a simplicidade do estilo com a boa escolha do assunto, revestido de uma graça no dizer de que não falta repórter aqui e ele, uma flor do sertão, revela sua destreza e domínio da escrita que precisa dizer tudo de forma clara e direta”

Nessa crônica que dá título ao livro, o autor registra que “Se as pessoas calam, as pedras falam” e ressalta que o recado das pedras sacode as pilastras que sustentam a estrutura social pois quase sempre são atos e fatos praticados, por ação ou omissão, por quem detém o poder legitimado pelo povo.  E registra que sem uma ação humanizadora e eficaz “as pedras continuarão a cantar”.

Alguns dos petardos: O rastro da barbárie, Quem nos garante o futuro?, Assim caminha a humanidade!, Ambição e ódio, Este ano tem espetáculo? Tem sim senhor!, Ao vencedor as batatas, O avesso do avesso,  Será que vai cair água?

As atitudes denunciadas pelo autor ocorrem, infelizmente, em quase todos os lugares do nosso país e merecem ser denunciadas. E combatidas. Que suas pedras cantem e continuem cantando, meu prezado amigo e irmão.


Noutro livro, Filhos do Asfalto, o sentimento e o estilo do autor também são presentes. São 45 crônicas em que ele denuncia episódios do cotidiano de sua terra e sua gente. É o trânsito engarrafado, o desespero de passageiros nas paradas e o inferno dentro dos ônibus, o consumismo estimulado e absorvido pelas massas, as questões de saúde do povo mal resolvidas e as propinas pagas para receber um atendimento mais digno a quem é pago para cuidar da saúde do povo. E outras mais.

   Mais uma vez fica evidente que a realidade denunciada não é privilégio desta ou daquela cidade brasileira. É uma questão cultural e conjuntural que enquanto não revertida poderosos continuarão com privilégios e a massa sempre oprimida.


O fato do autor denunciar injustiças não faz dele um ser amargo ou desprovido de sentimentos. Pelo contrário. Em seu livro de poemas Minha vida em sua boca, ele ressalta a delicadeza da alma humana, em poemas eróticos onde a lascívia está presente sem resvalar na pornografia ou no grotesco.  

Já no prefácio, a mestra em Teoria da Literatura pela PUC/RS e professora de Teoria Literária, Literatura Brasileira, Literatura Portuguesa e Literatura Ocidental, Joselita Izabel de Jesus, realiza um verdadeiro ensaio sobre as formas de proibição do desejo humano na família, nas religiões, na escola, na Ciência e especialmente no mundo do trabalho. É aquilo que Georges Bataille, em seu ensaio sobre o erotismo chamou de interditos.

Diz Joselita que a literatura erótica se impõe como eficaz instrumento de transgressão. E acrescenta que nesse contexto se insere Minha vida em sua Boca, que pode soar agressiva “aos leitores mais comportados”, a quem ela sugere a leitura de Sonetos luxuriosos, de Pietro Arentino, Os 120 dias de Sodoma ou A escola da libertinagem, do Marquês de Sade. Bem como Diário de um fascenino, de Rubem Fonseca, Prêmio Camões de Literatura, 2003. Diante dessas obras e da tetralogia de Hilda Hist (Cartas de um sedutor; A obscena senhora D; Contos d’escárnio: textos grotescos; e o Caderno de Rosa de Lori Lamby), diz Joselita, “o recatado leitor vai considerar os poemas de Minha vida em sua boca, bem amenos, quase sacros”. Para a prefaciadora, os poemas de Minha vida em sua boca são genuínos exemplos de textos eróticos. Raciocínio que eu acompanho e assino em baixo.



 Mas afinal, quem é esse autor que concilia o justo arroubo contra as injustiças em suas crônicas e a sensualidade e o erotismo em seus poemas?




É Francisco de Assis Sousa.  Nascido em São Julião, no sul do Piauí, é graduado em Letras/Português pela Universidade Estadual do Piauí, com especialização em Linguística pela Universidade Federal do Piauí, em Literatura Brasileira e Planejamento e Política Educacional pela URCA. Dedicado à Educação e às Letras, ele ensina a juventude estimulando o hábito da leitura. Mais que professor ele é um verdadeiro Mestre, na minha avaliação.

 

Requiem aos Heróis da Pandemia do Coronavirus.

(Publicado originalmente no Diário do Pará, edição de 6/5/2020)

Octávio Pessôa*

 

                Ele podia se chamar Hércules, Sansão ou Maciste. Ou quem sabe Manuel, Joaquim, João ou simplesmente José da Silva. Não importa. Nada mais democrático do que os efeitos de uma pandemia como esta que marca tristemente a Humanidade, neste primeiro quartel do Século XXI. Não há rico nem pobre, culto ou ignóbil, bem relacionado ou pessoa do povo. Os efeitos da Pandemia do Covid-19 iguala todo mundo.  Os cuidados é que podem variar.

Fiel a Hipócrates, o pai da Medicina, ele honrou seus compromissos dignamente, diante do desespero da massa clamando pela Vida. Virou plantões, supriu a carência de colegas, fez parte de equipes profissionais reduzidas para a realização de um trabalho eficaz. Ele se sensibilizava ante o clamor de quem pedia pela sobrevivência de um pai, uma mãe, um irmão, um amigo ou colega de trabalho.  E especialmente pela própria sobrevivência.

                Um dia “caiu-lhe a ficha” dos efeitos da sua dedicação extremada, ao começar a perceber em si próprio os sintomas do mal contra o qual lutava diariamente. Foi o próximo a abandonar o front da guerra desigual contra o inimigo invisível.

Consciente de que, àquela altura, o hospital era ironicamente o último lugar em que deveria ficar, partiu resignadamente para o isolamento doméstico, lamentando muito não poder continuar na messe que abraçara desde a juventude. Em casa, internou-se no menor cômodo do modesto apartamento classe média em que morava, deixando os mais confortáveis à esposa e à tia que com eles morava desde o início do casamento. Seu maior temor era que o SARS-Cov-2, o maldito vírus da COVID-19, contaminasse essa verdadeira segunda mãe.   

                Recolhido, ele adotava os procedimentos adequados que dominava e usava a medicação própria. Cidadão consciente, ele assistia aos programas jornalístico da televisão e se indignava ante da ideologização do vírus e a utilização política de um fato que merece ser tratado com objetividade e determinação. Sentia verdadeiro asco ante a postura arrogante e debochada do mandatário maior do país a dar péssimo exemplo ao povo, agindo na contramão das orientações da Organização Mundial da Saúde e dos setores consequentes de seu próprio governo. Ele sofreu demais ao ver o presidente rifar seu ministro da saúde porque este, profissional coerente, orientava o público a agir da forma correta. É o chefe com medo da sombra do subordinado, ele pensava. Para não aumentar seu sofrimento, decidiu não mais ver televisão. Ele necessitava de repouso, sabia, a tensão prejudicava sua recuperação. Passou a priorizar a leitura quando seu estado permitia.  

          Seu sofrimento se acentuava quando lembrava da amada netinha, e não podia sair para abraçá-la e lhe mostrar todo seu carinho de avô de primeira viagem. Na reclusão não desejada, ele lembrava dos belos momentos vividos com aquela criança e sua mãezinha, a filha única, e com toda a família, feliz convivência, bálsamo que compensava todas as dificuldades e frustrações que pudesse estar atravessando. Quantas tardes, quantos domingos, quantos fins de semana ele viveu ao lado da família e de amigos, nos bons tempos antes da pandemia do Coronavirus.

                Na primeira etapa da internação domiciliar teve relativa melhora. Seguiu-se depois um quadro irreversível de agravamento.

                Partiu para a Eternidade aquele que um dia jurou consagrar a vida a serviço da humanidade, da saúde e do bem-estar do paciente como suas primeiras preocupações. A respeitar a vida humana, a autonomia e a dignidade do paciente, guardando o máximo respeito pela vida humana. A não permitir que considerações sobre idade, doença ou deficiência, crença religiosa, origem étnica, sexo, nacionalidade, filiação política, raça, orientação sexual, estatuto social ou qualquer outro fator se interpusessem entre o seu dever e o seu paciente, respeitando os segredos que lhe fossem confiados, mesmo após a morte do doente. A fomentar a honra e as nobres tradições da profissão, guardando respeito e gratidão aos seus mestres, colegas e alunos pelo que lhes é devido, partilhando seus conhecimentos médicos em benefício dos pacientes e da melhoria dos cuidados de saúde. Até onde a triste realidade da pandemia do coronavirus lhe permitiu, ele cuidou da sua própria saúde, bem-estar e capacidade para prestar cuidados da maior qualidade, não tendo nunca usado de seus conhecimentos médicos para violar direitos humanos e liberdades civis, mesmo sob ameaça. Promessas que fez solene e livremente, sob palavra de honra, no dia de sua formatura.

(Com esse conto homenageio todos os médicos e médicas e outros profissionais da área de saúde que tiveram a vida ceifada pela terrível Pandemia do Coronavirus, Covid-19. Reconhecimento que estendo aos que permanecem na luta nessa guerra desigual).

* Jornalista e Escritor.

 

O APRENDIZ DE ESCRITOR

 

(Publicado originalmente em minha página do Facebook, em 11ago2021)

 

É gratificante a gente ler um livro e se identificar com o que diz o autor. Especialmente quando a obra trata do objeto de trabalho que fazemos com prazer.

Foi assim que eu me senti ao “degustar” o Aprendiz de escritor — Sobre livros, leituras e escritos. Não se trata de mais um manual de fórmulas para se aprender a escrever, que invariavelmente não funcionam. É um livro de modesto título e de valor inestimável para quem lida com textos ou pretende com eles trabalhar. 

O autor, Odenildo Sena, aborda o ato de escrever de forma leve e dialogada com o leitor, dando dicas para a produção de um bom texto. Ele enfatiza a importância do hábito da leitura, especialmente de autores reconhecidos pela arte de escrever, mais uma concordância entre mim e o autor do livro. Sempre entendi que quem não lê não escreve. E se escreve, o faz de forma deficiente para dizer o mínimo. 

Odenildo cita vários escritores e obras indispensáveis que estimulam o hábito da leitura. Ele fala sobre as estratégias que usa na redação de seus textos, tal como nunca conformar-se com a primeira versão final de um texto. É prudente deixá-lo descansar e retomá-lo mais adiante. Escrever e reescrever até sentir que o texto está em condições de ser publicado. Não significando que ele esteja acabado, pois o livro não termina no ponto final do autor, quem o conclui é o leitor. 

Tanto é assim que Odenildo discorda e eu estou com ele, do que disse certa vez o escritor argentino Jorge Luís Borges, que a pessoa mais importante no livro é o autor. Não. A mais importante é o leitor ao formar sua ideia no fim da leitura. Com a liberdade de rever seu entendimento nas releituras.

Confesso a você, amigo leitor. Li o Aprendiz de escritor num fim de semana. E fui sublinhando diversas passagens, método também sugerido e usado por Odenildo. Resultado: o livro ficou bastante marcado. Não faz mal. Pra mim, livro lido é livro anotado. 

Escrevi e reescrevi diversas vezes este texto, como sempre faço e o autor do Aprendiz de Escritor assim sugere. E com a certeza de que cada leitor terá uma forma de vê-lo. 

Odenildo e eu não somos velhos conhecidos mas o fascínio por livros nos une, além de ambos sermos amazonenses, ele de Manaus e eu de Parintins. Por ora, conheço-o virtualmente, o que foi proporcionado por um amigo comum, o jornalista, poeta e compositor Zeca Torres, Torrinho, ícone da cultura e da música do Amazonas, autor e compositor de Porto de Lenhas, a “Cara de Manaus”. E tantas outras. 

Daí surgiu uma interação à distância muito promissora. O Odenildo brindou-me com um exemplar do Aprendiz de Escritor e eu retribuí a gentileza com um do meu Asas de um rio. 

Com certeza ainda vamos nos conhecer pessoalmente. Seja em Leça da Palmeira, onde ele reside atualmente lá em Portugal, aqui em Belém, em Manaus ou quem sabe onde. E vamos degustar vinhos e queijos e conversar bastante sobre os assuntos que nos aproximam. 

Odenildo Sena é formado em Letras pela Universidade do Amazonas, onde lecionou Língua e Literatura Portuguesa por muitos anos. Especialista em Psicologia em Ensino e Aprendizagem pela Universidade de Campinas e Mestre em Linguística Aplicada pela PUC/SP, com a dissertação “A Semântica do Poder”, onde analisa a influência de um dado universo léxico próprio do período ditatorial. Tornou-se Doutor em 1997 pela mesma PUC/SP com a tese “De Fernando a Fernando: as teias ideológicas do poder”, em que analisa o discurso dos dois primeiros presidentes civis, após o período militar.

Além do Aprendiz de Escritor, editado pela Valer, de Manaus/AM, em 2020, são outras obra de Odenildo: No tempo do eu menino, coletânea de crônicas (Valer/ 2015); Mazelas do livro didático, ensaios (Valer/2016); Tempos de memória, crônicas (Casa Literária/2016); Palavra, poder e ensino da língua, obra em que ele evidencia suas preocupações e compromisso com a desmitificação dos processos que envolvem a constituição da Língua, concebida não como mero “instrumento de comunicação entre indivíduos”, (Valer/2019). 

E a sua obra prima, que será minha próxima leitura: A engenharia do texto, um caminho rumo à prática da boa redação, editado em 2011 pela Valer e em 2018 pela Chiado Books, de Lisboa.

 


 

                                        BUEN CAMINO - Relatos de uma viagem.

 

(Resenha do livro solicitada pela autora Josette Lassance. Publicado originariamente na minha página do Facebook, em 7 de julho de 2021)

 

“O caminho é um aprendizado e uma grande loucura que só sente quem o faz. Bebo vinho para sonhar ao que vim e para o que sinto de verdade. Ninguém pode afirmar ao certo o que você possa sentir — o sentimento está tão dentro, tão fundo — e minha conquista é o percurso, não apenas a beleza do lugar, é mais pelo pulsar verdadeiro do que está vivo” diz a escritora paraense Josette Lassance em seu livro BUEN CAMINO – Relatos de Viagem, Editora Paka-Tatu, 2019.

 

A autora logrou certamente alcançar o propósito místico e ancestral do Caminho de Santiago.

 

Caminhar é também uma forma de sonhar por um pensamento que nos satisfaça e também um percurso através da vida. Uma forma de aprender, antes de morrer, a abandonar o que nos torna nocivos e a nos entregar às nossas vontades mais verdadeiras, diz Josette que é professora de História e Artes Visuais e pós-graduada em Artes, autora de diversos livros e com participação em diversas antologias.

 

Muitas são as explicações para o culto a Santiago e a razão para se percorrer os caminhos que levam a Santiago de Compostela, cidade da província de Corunha, capital da unidade autônoma da Galiza, no nordeste espanhol. A mais aceita é a de que, vindo da Terra Santa no ano 34 d.C., o apóstolo Santiago pregou pela primeira vez em Iria Flávia, cidade próxima de Compostela. Sua ação evangelizadora muito incomodava, razão por que foi perseguido e morto por decapitação na Judéia. Muito querido por seus discípulos, dois deles, Teodoro e Atanásio, levaram de barco o corpo e a cabeça de Santiago até Padron que então, era o porto de Iria Flávia. Eles teriam enterrado os restos mortais de Santiago no monte Libredón, onde hoje se ergue a catedral de Santiago. Na virada do século oitavo para o nono, o rei Afonso II das Astúrias, o Casto, teria sido o primeiro a peregrinar até Santiago. Ele mandou construir uma igreja no local onde, reza a lenda, estão os restos mortais de Santiago. Ali se estabeleceu uma comunidade religiosa permanente que com o passar dos anos tornou-se um dos principais centros de peregrinação da cristandade. As rotas se estenderam por toda a Europa cristã, aumentando a cada ano o afluxo de peregrinos. Muitos desses ao longo do seu Caminho de Santiago refletem sobre sua vida e não raramente voltam pessoas muito melhores.

 

No final da obra, Josette relaciona as cidades da rota francesa, dá sugestões do que levar durante o caminho e fala também da credencial do peregrino — documento semelhante a um passaporte que identifica o peregrino, que deve apresentá-lo nos lugares em que chega. Hoje essa credencial simboliza que o detentor é alguém que fez a peregrinação com sentido cristão, mesmo que seja uma atitude de busca. O livro é portanto uma leitura recomendada para se conhecer a temática e especialmente para quem sonha um dia realizar o seu Caminho de Santiago.

 

BUEN CAMINO, prefaciado pelo poeta e professor de Poéticas e Cultura Amazônica, da UFPA, João de Jesus Paes Loureiro, que no final ressalta não ter Josette queimado os objetos usados no seu Caminho de Santiago, em Finisterra – cidade que por muito tempo foi considerada o fim do mundo por situar-se no extremo sul de uma península. Essa queima dos objetos em Finisterra é uma práxis tradicional para os que fazem o Caminho de Santiago. Ela optou por escrever seus desejos e colocá-los sob a pedra das promessas. Daí conclui Jesus “Só a palavra poética resiste ao fogo, às cinzas, ao fim da terra, às chamas ardentes do tempo”.


sábado, abril 17

CANÇÃO PARA HENRY

 

                     Há cada dia somos surpreendidos por fatos trágicos e inexplicáveis nesta verdadeira era das trevas que vivem nosso país e o mundo. Nada mais parece nos surpreender. Mas há fatos que nos abalam ante a sua estupidez e  desumanidade.  Eu coloco nesse rol o assassinato do menino Henry que a mídia divulgou à exaustão desde há duas semanas.

                De outra parte, tive a grata satisfação de ler na mídia impressa e no grupo de whatsapp da Academia Paraense de Jornalismo, o profundo, belo e emocionante texto do confrade de APJ Ernane Malato, que é jurista, escritor e acima de tudo um humanista. Compartilho com meu leitores a:

 

"Em tempo de caos, um convite a contemplar o silêncio"
(Povíncia Marista Brasil Centro-Sul)

     

                                                             CANÇÃO PARA HENRY                                                                                                                                              Ernane Malato

     Por que feriram sua infância, sua inocência, interrompendo o destino que se escrevia? Com que direito interferiram em sua estrada, onde flores e riachos se alinhavam? Que permissão obteve seu algoz para ferir tua arquitetura tênue, em tua constituição delgada e extinguir sua vida que iniciava? 

    Que ousadia foi essa, a de cessar a esperança na sua vida e a sua vida na esperança desta vida? Que autorização foi essa em cruzarem seu caminho e apagarem o sol que começava a nascer? Que atrevimento foi esse o de riscar de sua existência tantas coisas naturais e permitir a invasão de outras tão descomunais? Com qual liberdade alteraram seu futuro, violaram seu presente e soterraram teu passado? 

    Por que cruzaram seu caminho, sua estrada, sua rota, os seus sonhos e a sua felicidade que ainda se formavam? Por que tiraram da sua vida várias vidas, várias idas, tantas voltas que haveriam e oportunidades que sobrevoavam? A título de quê? 

    Que monstruosidade cruzou sua felicidade que ninguém havia sido autorizado a violar? Qual a fera que ultrapassou o seu sagrado umbral, rompendo seu egrégio templo que o Criador elaborou, preservado por milênios pela esfinge guardiã da existência embrionária? Quem decepou as asas dessa ave que se preparava para voar? Que agouro invadiu seus campos férteis, contaminando o pólen que alimentava o verde dos teus céus floridos e o azul de tuas probabilidades infinitas? 

Sua pureza, seu sorriso, seus brinquedos, seus desejos, sua fome, seus murmúrios, suas queixas, suas dores, seus horrores e seus gritos, ultrapassam a sanha da brutalidade que avançava sobre sua luz que ofuscou a escuridão de quem chegava. 

Serafins, querubins e arcanjos de outra faixa universal, estremeçam! Miguel, Gabriel, Rafael, Salatiel – intermediários entre humanidade e divindade – desembainhem vossas espadas! Cumpram vossos ofícios! Enfrentem o Cérbero! Decepem a medusa! Escancarem os portões sagrados desse Parthenon! Soprem vossas trombetas douradas para a queda das muralhas da absurdez! Abriguem a inocente ave que aterrissa em vossas acrópoles! Mantenham sua chama acessa para que ilumine essa história!  

A ferocidade não detém o poema, nem a homenagem que o mesmo realiza no momento em que tantas vidas também partem. Não impede a palavra da transformação, a incontinência da expressão contida, nem o grito de protesto da inconformação retida. O poema não se curva ao que destrói porque enfrenta, luta e reconstrói. 

O poema enfrenta a selvageria da maldade, a insensatez da desumanidade e a demência da obscuridade. Desafia o que desafiou a ordem dos sentidos, a estabilidade da normalidade, a ameaça da aspereza e o temor da carruagem induzida a transportar ovelhas para outra estação. O poema enfrenta a banalidade da maldade porque habita outro mundo que cintila. 

   O poema não se destrói nem é destruído pelo que destrói. Não persegue, sobrevive. Se renova a cada opressão que se desenha no arcabouço social. O poema resiste e em cada amanhecer persiste, porque vive na confrontação da ação que ofende a própria vida. Persiste por não permitir violação e destruição por quem insiste em destruir e violentar. Não se cala, não se conforma, não morre e nele sobrevive o que para sempre deve viver. 

O poema não esquece e homenageia a criança que partiu em todos nós, juntamente com outras tantas violentadas pela alienação, pelo abandono, pela fome, pela miséria, pela marginalidade e pela exclusão.


terça-feira, abril 6

MAQUIAVEL, esse injustiçado.

 


    


            Os termos maquiavelismo e maquiavélico, na linguagem corrente, assumiram um significado pejorativo e maldoso. O uso distorcido é tão frequente e aceito, que a palavra maquiavélico constitui verbete em dicionários como sinônimos do que é pérfido, falso, perigoso. É comum a gente ouvir expressões do tipo – “Cuidado! Esse cara é maquiavélico”. Especialmente se for um político.

         Essa associação do que é sórdido, malicioso com o pensamento de Maquiavel encerra uma tremenda injustiça contra o que propôs Niccolo di Bernardo Machiavelli, filósofo e diplomata florentino, cuja obra literária mais famosa é “O Príncipe” (Il Principe), escrita entre 1513 e 1516 durante o exílio de Maquiavel na França e publicado em 1532, após a morte do autor.

         A distorção do pensamento maquiaveliano decorre de interpretações equivocadas do pensamento de Maquiavel, especialmente em leituras retilíneas que não contextualizam a obra no tempo e no espaço. Na Península Itálica da Renascença (Século XVI) prevaleciam pequenas repúblicas, reinos, ducados, e os Estados Papais que disputavam entre si o controle de territórios. Maquiavel percebia o risco dessa divisão que deixava a península sujeita a invasões por parte das grandes potências europeias. Em “O Príncipe”, ele faz considerações e recomendações ao governante, o Príncipe, sobre como exercer o poder na administração de um país.

         O fundamento da principal obra do intelectual florentino é a distinção entre ordem política e moral cristã, aspecto fundamental para a compreensão da forma dele ver a realidade. Em função dessa análise, ele dá sugestões para a sustentação do poder político institucionalizado.

         À época, os Estados se sustentavam na representação política da classe burguesa que financiava o Estado, representante dos seus interesses econômicos, políticos e ideológicos, reivindicando inclusive o uso legítimo da força. E também na religiosidade cristã que exercia papel crucial na manutenção da ordem social, no comportamento coletivo, influindo significativamente na forma de agir do governante.    

         Maquiavel concorre para o rompimento dessa visão embasada na religião dominante. Em “O Príncipe”, o sábio florentino inovou propondo objetivamente a distinção das ordens política e religiosa, sustentando a separação da política em relação à religião e encarando a política como um campo orgânico, autônomo e distinto da religiosidade, que não deve ser superior ao Estado.

         Essa visão da realidade contrariava poderosos interesses principalmente os da igreja católica. Daí passou-se a usar o termo “maquiavélico” a tudo de mal ou cheio de subterfúgio. É a incompreensão da essência do que propôs Maquiavel: a autossuficiência do poder político do Estado.

Em sua mais conhecida obra, Maquiavel abordou o modo de compreensão do poder político e seus efeitos. A leitura da obra despida de visão preconceituosa induz a que é de responsabilidade do governante a definição de rumos para o Estado. Sendo dele e dos operadores da política o dever de melhor promover a ordem institucional e a paz coletiva.

Não bem compreendidas e se afirmadas fora de contexto, as ideias de Maquiavel podem ser e são frequentemente deturpadas. Em momento nenhum a expressão "os fins justificam os meios", frequentemente atribuída a Maquiavel é encontrada no livro “O Príncipe”. As lições de Maquiavel recomendam aos governantes a maneira adequada para o sucesso de um governo.

Nascido em Florença, em 3 de maio de 1469, filho de Bernardo e Bartolomea di Nelli, uma família toscana, Maquiavel iniciou seus estudos aos sete anos, uma fraca educação básica, até por ser de uma família pobre. Adulto, ele se tornou um dos grandes pensadores renascentistas, com formação humanista. Formado pela Universidade de Florença, antes

30 anos assumiu a função de secretário da Segunda Chancelaria, importante instituição do governo de sua terra natal. No exercício dessa função diplomática ele elaborou tratados e alianças com outros países e consolidou suas qualidades administrativa e governamental.

Ele serviu em Florença por 14 anos. Com o retorno ao poder do governo destituído, Maquiavel foi demitido em 7 de novembro de 1517, acusado de conspiração. Foi preso e torturado o que o levou a se exilar na França, onde fez profunda reflexão sobre tudo o que viveu e presenciou, e escreveu suas principais obras, inclusive “O Príncipe”. De retorno à sua Florença, ele passou a viver recluso e faleceu em 21 de junho 1527.

Além de “O Príncipe”, Maquiavel também escreveu “Relatos sobre os fatos na Alemanha”, “Retrato das coisas da França” e “Discurso sobre a primeira década de Tito Lívio”. No campo da dramaturgia, ele escreveu diversas peças teatrais, sendo a mais famosa, “A mandrágora”, protagonizada pelo jovem Calímaco apaixonado por Lucrécia, casada com o doutor Messer Nicia. Em cinco atos Maquiavel satiriza a corrupção da sociedade italiana.

“O Príncipe” encerra uma teoria do Estado moderno, daí Nicolau Maquiavel ser considerado o pai da Ciência Política Moderna.

 

O autor é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/ Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo.

* Publicado no jornal eletrônico Ver-O-Fato no dia 2 de abril de 2021.


segunda-feira, abril 5

TEM JABUTICABA NO MEIO DO CAMINHO. CUIDADO!

 


         Não escorregue nem tropece. Muita gente desprevenida comete essa imprudência. Talvez embevecida pela mensagem dos textos que lê, por pressa ou por acreditar que o Dr.Google é infalível, faz afirmações questionáveis. Pra dizer o mínimo.

         É o caso daquele texto que volta e meia a gente lê por aí, sob o título O tempo e as jabuticabas, atribuído a Rubem Alves, ou O valioso tempo dos maduros, mencionando Mário de Andrade como seu autor.

A beleza e a profundidade do texto é indiscutível. Ele trata da atitude madura de não nos importarmos com as coisas irrelevantes da vida, à medida que a gente vai acompanhando as voltas que o mundo dá e conclui que realmente prender-se às coisas pequenas ou ilusórias só atrapalha nossa felicidade.

         Com pequenas variações, dependendo do gosto de quem o posta, o conteúdo do texto que pulula na Internet é mais ou menos este:

         Contei meus anos e descobri que terei menos tempo para viver
daqui para frente do que já vivi até agora.

Tenho mais passado do que futuro…
Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas…

As primeiras, ele chupou displicente… mas percebendo que faltam poucas, rói o caroço…

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades…

Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados.

Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram,
cobiçando seus lugares, talentos e sorte.

Já não tenho tempo para conversas intermináveis…

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que,
apesar da idade cronológica, são imaturas…

Detesto fazer acareação de desafetos que brigaram pelo majestoso cargo de secretário geral do coral…

As pessoas não debatem conteúdos… apenas os rótulos…

Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos…
quero a essência… minha alma tem pressa…

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente humana, muito humana; que sabe rir de seus tropeços…
não se encanta com triunfos…
não se considera eleita antes da hora…
não foge de sua mortalidade..

Caminhar perto de coisas e pessoas de verdade…

O essencial faz a vida valer a pena…
e para mim basta o essencial…

 

Há fortes razões para se afirmar não ser o texto de Rubem Alves e muito menos de Mário de Andrade.

A atribuição a Alves provavelmente é em razão dele ter um livro intitulado Do universo à jabuticaba, editado em 2010, pela Editora Planeta do Brasil Ltda., São Paulo/SP.


Nessa obra, Alves após introduzir na epígrafe aforismos de Neruda, Nietche e Fernando Pessoa, afirma que sua vida se divide em três fases “Na primeira, meu mundo era do tamanho do universo e era habitado por deuses, verdades e absolutos. Na segunda fase meu mundo encolheu, ficou mais modesto e passou a ser habitado por heróis revolucionários que portavam armas e cantavam canções de transformar o mundo. Na terceira fase, mortos os deuses, mortos os heróis, mortas as verdades e os absolutos, meu mundo se encolheu ainda mais e chegou não à sua verdade final mas à sua beleza final: ficou belo e efêmero como uma jabuticaba florida”.

Sem dúvida, o conteúdo do texto itinerante se assemelha, no essencial, à profunda mensagem colocada por Alves sob a rubrica “Minha Vida...”. O que não faculta ao compilador ou a quem o reproduz atribuir a autoria do texto ao mineiro de Boa Esperança. Mas os desavisados aceitam como verdadeira a autoria de Alves e replicam e treplicam especialmente nos meios eletrônicos.   

Mais improvável ainda é o texto ser de Mário de Andrade. Escritor da primeira fase do Modernismo Brasileiro que teve papel importantíssimo nessa fase crucial da Literatura brasileira, Andrade inovou absorvendo os valores e a linguagem das culturas periféricas como a amazônica, mas ele não era dado a temas de natureza existencial como fazia Alves.

Há no entanto um texto menos conhecido no mundo das letras que penso ser o “pai” daquele que é replicado à exaustão e atribuído a autores que não o escreveram. Trata-se de O Tempo que Foge, de Ricardo Gondim, pastor e presidente da Igreja Evangélica Betesda, sediada em São Paulo, e também do Instituto Cristão de Estudos Contemporâneos.

Autor de diversas obras, Gondim publicou em 2007 pela Editora Ultimato Ltda, de Viçosa/MG, o livro Eu creio, mas tenho dúvidas- A graça de Deus e nossas frágeis certezas, que em suas páginas 102 a103 traz:

TEMPO QUE FOGE


“DESCOBRI QUE TEREI menos tempo para viver daqui pra frente do que já vivi até agora. Sinto-me como aquele menino que ganhou uma bacia de jabuticabas. As primeiras, ele chupou displicentemente, mas percebendo que faltavam poucas, passou a roer o caroço.

Já não tenho tempo para lidar com mediocridades. Não quero estar em reuniões onde desfilam egos inflados. Não tolero gabolices. Inquieto-me com invejosos tentando destruir quem eles admiram, cobiçando seus lugares, talentos e sortes.

Já não tenho tempo para projetos megalomaníacos. Não participarei de conferências que estabelecem prazos fixos para reverter a miséria do mundo. Não vou mais a workshops onde se ensina como converter milhões usando uma fórmula de poucos pontos. Não quero que me convidem para eventos de um fim de semana com propostas de abalar o milênio.

Já não tenho tempo para reuniões intermináveis para discutir estatutos, normas, procedimentos parlamentares e regimentos internos. Não gosto de assembleias ordinárias em que as organizações procuram se proteger e se perpetuar através de infindáveis detalhes organizacionais.

Já não tenho tempo para administrar melindres de pessoas que, apesar da idade cronológica, são imaturas. Não quero ver os ponteiros do relógio avançando em reuniões de “confrontação”, para “tirar a limpo”. Detesto fazer acareações de desafetos que brigam pelo majestoso cargo de secretário do coral.

Já não tenho tempo para debater vírgulas, detalhes gramaticais sutis, ou as diferentes traduções da Bíblia. Não quero ficar explicando porque gosto da Nova Versão Internacional das Escrituras, só porque há um grupo que a considera herética. Gosto e ponto final! Lembrei-me de Mário de Andrade que afirmou: “As pessoas não debatem conteúdos, apenas rótulos”. Meu tempo tornou-se escasso para debater rótulos.

Já não tenho tempo para ficar explicando se estou ou não perdendo a fé, porque admiro a poesia de Chico Buarque e de Vinícius de Moraes; a voz de Maria Bethânia; os livros de Machado de Assis, de Thomas Mann, de Ernest Hemingway e de José Lins do Rego.

Sem muitas jabuticabas na bacia, quero viver ao lado de gente muito humana, que sabe rir de seus tropeços, não se encanta com triunfos, não se considera eleita para a “última hora”, não foge da sua mortalidade, defende a dignidade dos marginalizados, e deseja andar humildemente com Deus. Caminhar perto dessa pessoas nunca será perda de tempo.”


 

O autor, Octávio Pessôa, é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/. Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo.

 


sábado, março 6

ENTRE DUAS GUERRAS

 



         É sui generis a realidade que vivemos. Duas guerras se desenvolvem simultaneamente. Guerras contraditórias e complementares.

         De um lado a guerra do mundo da ciência contra um inimigo invisível, o Covid-19, o vírus que provocou a maior alteração no nosso modo de viver e de interagir com a realidade, que agora se acentua e se diversifica ante as mutações do vírus original.

Com o surgimento do inimigo, num curto espaço de tempo vacinas foram desenvolvidas e testadas nos países mais avançados. Com a validação das vacinas pelas instituições acreditadas, elas passaram a ser aplicadas de forma racional e inteligente na maioria dos países especialmente os do primeiro mundo. E os que tinham condições de fazer e não o fizeram em tempo por motivos inconfessáveis, como é o caso os Estados Unidos, depois tiveram que correr atrás do prejuízo. No Brasil as vacinas foram adotadas depois de muita relutância dos poderes decisórios, sob pressão dos cientistas e da imprensa. Ainda assim, a adoção se deu de forma lenta e relutante, após muita negação da validade do uso da vacina. Isto nos levou à realidade que ora vivemos.

Nesse contexto de pandemia, médicos e paramédicos dedicaram-se e dedicam-se a socorrer as vítimas do terrível vírus, honrando o compromisso de consagrar a vida a serviço da humanidade, à saúde e ao bem-estar dos pacientes.    

A luta é inglória. Esses profissionais são também seres humanos. Sofrem os efeitos das longas jornadas, da estrutura deficiente da maioria dos hospitais brasileiros e do natural cansaço decorrente das condições em que trabalham. Levantamento do Conselho Nacional de Medicina, de outubro do ano passado, revela que até então 58 profissionais haviam morrido em São Paulo. O Estado do Pará vinha em segundo lugar com a perda de 51 discípulos de Hipócrates e o Rio de Janeiro com 50. É certo que a esta altura, março de 2021, esses números estão defasados.

Ainda assim, médicos e paramédicos continuam na sua messe, deixando a família em segundo plano, muitas vezes com filhos pequenos e pais idosos. Quase não tem mais vida social. Enfim, é uma luta sem equilíbrio entre as partes contendoras.

Na contramão disso, desenvolve-se uma guerra paralela com o sinal trocado, estimulada por quem deveria defender a população.

Em primeiro lugar pelo negacionismo leviano e renitente que prevaleceu por largo tempo. A virose seria apenas uma gripezinha. Mediante o afastamento do staff governamental de auxiliares sintonizados com a ciência. Com a negação da importância do uso de máscaras em locais públicos e pelo mau exemplo, estímulo velado ou ostensivo às turbas enfurecidas que apregoam a desestabilização dos poderes da República. Pelo esvaziamento dos setores sociais como Educação e Saúde, com a designação de ministros que nada entendem dos assuntos da respectiva pasta. E altos investimentos na indústria de guerra e facilitação da venda de armas à população, viabilizando o incremento das milícias que já dominam extensos territórios nas capitais e grandes cidades brasileiras. Além da formação de grupos paramilitares acionáveis num estalar de dedos.

Esta guerra é tão perniciosa quanto a dizimação causada pelo Coronavirus, que infelizmente vai continuar matando a população. Com uma particularidade, agora o andar de cima da pirâmide social também está sendo atingida, ao contrário da fase inicial em que as vítimas eram muito mais os brasileiros das classes menos favorecidas.

                                                                                                      

Octávio Pessôa é Bacharel em Direito e Jornalismo pela UFPA. Foi locutor de rádio e escreve em jornais impressos, sites e no http://blogdooctaviopessoa8.blogspot.com/ Em 2015 editou o livro de crônicas Causos Amazônicos, reeditado em 2018. Em 2020 publicou o romance/documentário Asas de um rio- A saga dos Catalinas na Amazônia. Poeta bissexto, Octávio é imortal da Academia Maçônica de Letras do Estado do Pará e da Academia Paraense de Jornalismo. 

sexta-feira, agosto 28

NÃO À TAXAÇÃO DO LIVRO


Octávio Pessôa

 

         Os autores de livros e o mercado livreiro entram na alça de mira do governo federal pelo Projeto de Lei 3.887/2020 que cria a obrigatoriedade de o segmento pagar 12% a título de Contribuição Social sobre Operações de Bens e Serviços, a CBS. A proposta legislativa fere de morte a isenção do pagamento de impostos pelo livro, prevista no artigo 150 da Constituição Federal atual e presente desde a carta constitucional de 1946 para o papel utilizado na produção de livros e revistas, o que proporcionou livros mais baratos e acesso de maior parcela da população à cultura e ao conhecimento.  

         Essa tentativa de retrocesso ocorre quando a média anual de leitura, no Brasil, é de 4,96 livros por pessoa. Enquanto isso, os franceses leem 21 livros por ano, los hermanos argentinos leem 5,54 e na decadente Venezuela esse índice é de 6,64, segundo a Biblioteca Parque Villa Lobos.

         Para o ministro da economia, Paulo Guedes, a isenção tributária do livro no Brasil beneficiaria apenas quem mais pode pagar impostos. Ele argumenta que para compensar o fim da isenção, o governo poderia aumentar o valor do atual Bolsa Família ou mesmo cogitar de um programa de doação de livros.  

         A questão não é assim. A eventual aprovação da tributação de livros é um prejuízo não apenas para o segmento da editoria, mas para todo o Brasil, nas palavras do senador Jean Paul Prates, presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Livro, para quem a média de leitura per capta no Brasil é irrisória. Esclarece ainda o parlamentar, sendo em torno de 10% a média em direitos autorais pagos a um escritor, embolsando o governo 12%, ele vai ganhar mais que o autor. Enquanto bancos, financeiras e planos de saúde pagam apenas 5,9%.   

         O sugerido programa de doação de livros à camada menos favorecida da população é questionável, para dizer o mínimo. É uma tática que permite manipulação na escolha de conteúdo, um risco muito grande de seleção de obras a serem beneficiadas apenas segundo o talante do governo de plantão.  O que vai na contramão do princípio que orientou a inserção da imunidade tributária do livro na carta constitucional brasileira– o de facilitar o acesso à cultura e garantir a liberdade de expressão.

 

         A tentativa de acabar com a imunidade tributária do livro no Brasil, por suas consequências danosas, está na ordem do dia.

         No manifesto Em Defesa do Livro, a Associação Brasileira de Editores e Produtores de Conteúdo e Tecnologia Educacional (Abrelivros), a Câmara Brasileira do Livro (CBL), o Sindicato Nacional dos Editores de Livros (Snel) e outras entidades representativas do setor criticaram a tributação sobre livros, evidenciando que “não será com a elevação do preço do livro – inevitável diante da tributação inexistente até hoje – que se resolverá a questão.

         No âmbito local, li a lúcida manifestação do professor Armando Alves Filho, doutor em História e proprietário da Editora Paka-Tatu, responsável pela edição de parcela expressiva dos títulos atualmente produzidos no Pará, em que ele esclarece o retrocesso para o segmento a eventual aprovação da proposta encaminhada pelo governo para o Congresso Nacional.  

         Como escritor, coloco-me ao lado dos meus pares que reprovam a tributação do livro. Sabemos todos, como disse Maurício Gomide em entrevista à TV Senado, o mercado editorial já é muito difícil e a conta da tributação certamente irá para o preço do livro. Espera-se assim, que essa proposta seja barrada no Congresso Nacional.

Concluo ratificando as palavras da colega jornalista e escritora Hulda Rode “O livro é essencial para a humanidade: muda mundos, muda realidades e aproxima continentes. O Imposto trará redução do acesso ao conhecimento, à cultura e à leitura”.

 

 

 


quinta-feira, abril 23

Beato Salu é apenas a bola da vez.





Quem pensou que a derrota da trupe bolsonariana para as forças que impediram o golpe contra as instituições democráticas brasileiras, perpetrada na semana passada significaria seu aquietamento, enganou-se. Isso depois da pantomima da troca do ministro da saúde em plena pandemia do Coronavirus.
A sobrevivência do bolsonarismo depende desses episódios planejados com detalhes pelo que está sendo conhecido como gabinete do ódio encastelado no Palácio do Planalto, para manter a serviço do “mito” a parcela acrítica do eleitorado brasileiro que faz o jogo com precisão e continua endeusando o chefe.
O episódio da ordem do dia é o rocambolesco discurso do funcionário de terceiro escalão guindado a ministro das Relações Exteriores (Chanceler do Brasil), Ernesto Araújo, ideologizando o Coronavirus que estaria a serviço do comunismo internacional. Afirmação que não resiste à análise mais superficial que seja por falta de substância.
Não à toa entre os diplomatas sérios e competentes do Palácio do Itamarati, Ernesto Araújo é conhecido como Beato Salu. Pra quem não sabe, Salu era um personagem de uma das novelas do saudoso Dias Gomes (Roque Santeiro, se não me engano) caracterizado como uma espécie de Antônio Conselheiro, o líder da Revolução de Canudos. Salu em seu discurso não dizia coisa com coisa, era capaz de confundir a grande obra do mestre Picaço com a grande pica de aço do mestre de obras. Apelido muito bem aplicado.
Preparem-se. Quando as repercussões negativas do discursóide se acentuarem e o “chanceler” proporcionar outras estultices à frente de um Ministério que já teve à frente prsonalidades do quilate de Afonso Arinos de Melo Franco, Otávio Mangabeira e Innocêncio Serzedello Corrêa e tantos outros, ele será substituído. Quem sabe por outro do mesmo naipe. A ver. 
Mas com certeza a idiotice do virus a serviço do comunismo internacional não será o o último capítulo da tragicomédia operada por Salu. Outros episódios virão cada vez mais grotescos. Aguardem.