quinta-feira, junho 19

ENCONTRO DE GENTE




          Copa do Mundo. Encontro de povos, de gente de diversas culturas. Rara oportunidade de convivência entre diferentes e de se exercitar a visão não etnocêntrica, essa tendência humana de se considerar as normas e valores da própria sociedade ou cultura como critério de avaliação das demais. E de se compreender que não existe cultura boa ou ruim, mas que há culturas com costumes e valores diferentes. Um momento pra se refletir sobre o nosso jeito de ser.

Foi o que se deu depois do jogo de estreia da seleção japonesa. Os nipônicos limpando todo o estádio ao final do jogo, não foi nenhuma lição de “caso pensado”, sim o exercício de uma prática natural entre pessoas daquele povo que habita uma ilha onde um terço apenas do território é arável, portanto habitável e que é frequentemente sacudida por terremotos, tsunamis e outros abalos sísmicos e ainda, sofreu os efeitos de duas bombas atômicas na II Guerra Mundial e teve sua economia fortemente abalada nas últimas décadas do século passado. Situações adversas que levaram o povo a relevar o bem-estar coletivo em detrimento do individual. Especialmente após a segunda grande guerra, quando precisaram reconstruir o país, sendo esses valores transmitidos de geração à geração, o que leva cada japonês a guardar no bolso o lixo eventualmente produzido fora de casa e a colocá-lo no recipiente próprio quando chega em sua residência.

          O exemplo nos coloca de encontro à nossa triste realidade. Vivemos num país de dimensões continentais, potencialmente rico, pouco atingido por intempéries de grandes proporções, o que talvez explique nosso “estar à vontade” nosso individualismo, nossa deseducação em que, por exemplo, cidadãos ditos “de bem”, madames, “patricinhas” e “mauricinhos” levam sem nenhum constrangimento seus cachorros para fazer cocô na via pública, pra ficar apenas num exemplo comum e sintomático.

          De repente me alonguei no que pretendia ser apenas um parágrafo introdutório. O que quero compartilhar com você, caro leitor, é um encontro singular de pessoas, de gente, todavia tendo o mesmo mote da introdução: Copa do Mundo e encontro de gente. O fato se deu na fila do caixa de um supermercado, quando providenciava minha colaboração para os “comes e bebes” durante o jogo de estreia da seleção brasileira na casa de um amigo.

          Encontrava-me no “rabo” de uma das filas de caixa, quando chegou um senhor de idade e pediu-me para “guardar o seu lugar”, informando a quem chegasse depois, enquanto ele estivesse ausente. Falou-me ainda que a esposa dele estava fazendo as compras, por sinal também pra levar pra casa de um amigo, onde iriam assistir ao jogo. Acrescentou que ele estava “cuíra” pra tomar um café e por isso iria ausentar-se por alguns instantes. Perguntou-me se eu também gostaria de tomar um cafezinho. Agradeci a gentileza e assumi o compromisso de guardar o lugar dele.

          Na sua volta, quando a fila já crescera exponencialmente, prosseguimos aquele gostoso diálogo. Logo percebemos sermos meio xarás. Ele Luiz Octavio e eu Octavio José. A partir dessa identificação, o “papo” fluiu como dois velhos conhecidos. Tanto quanto eu, ele é aposentado, no caso dele, da UFPA, onde foi professor do Departamento de Engenharia Mecânica. Mas o que mais me chamou atenção foi a afirmação dele de que nunca ao longo de sua vida profissional fez tantas coisas como faz agora e se sente tão útil. Isso acentuou nossa identificação, porque é assim que eu me sinto, depois de 35 anos de serviço público.

          A conversa fluía tão intensamente que parecia não estarmos ali no meio daquele tumulto. Daí a pouco chegou a esposa dele com uma quantidade significativa de produtos nas duas mãos. Não usava um carrinho. Não tive dúvida de sugerir o compartilhamento do carrinho que eu ocupava, pra que ela também acomodasse suas compras. Notei a forma como ele me olhou diante do meu gesto espontâneo. Havia um misto de surpresa, agradecimento e emoção.

          Conversamos até o momento de eu passar minhas compras. Pra mim e com certeza pra ele foi como se o tempo não houvesse passado. Na verdade foi curto para tanto aprendizado recíproco. Ao nos despedirmos ele disse algo que me deixou com a alma mais leve. Falou que por tudo o que ele ouvira, certamente muita coisa importante eu já fiz na vida, mas que de todos os títulos que eu possa ter, há um que talvez nunca ninguém me tenha outorgado, mas que é o mais importante de todos. Você é GENTE, sentenciou ele.

          Pra mim foi um encontro de GENTE. Um encontro de afins, segundo Artur da Távola na crônica “Afinidade o sentimento que resiste ao tempo e ao depois”. Não trocamos cartões nem telefones, mas tenho certeza de que o dia que nos reencontrarmos, o “papo” vai prosseguir normalmente como se nenhuma interrupção tivesse ocorrido e como se o tempo não houvesse passado.

          Ah meu meio xará! Quem dera se as pessoas se olhassem mais com o espírito desarmado e sem qualquer preconceito se acolhessem mutuamente, mesmo nas condições adversas, se houvesse mais cooperação e menos competitividade. Certamente todos viveriam mais felizes e o mundo seria muito melhor.                   


          

7 comentários:

  1. Amor!
    Vc é PÊSSOA desde sempre. Como sou grata pela partilha diária de suas grandes e pequenas realizações. E vamos em frente com a bola a correr que aí vem gente para ajudar, até mesmo quando pretende eliminar, a gente. Bjs♡

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Celeste, você é suspeita pra falar de mim, mas eu agradeço todos dias a Deus pela tua companhia e teu acolhimento. Beijos.

      Excluir
    2. "Quem sabe isso quer dizer amor, estrada de fazer o sonho acontecer" ♡

      Excluir
  2. Você é gente do Pêssoa. Pêssoa da gente. E não fosse um encontro de gente, nao existiria o 100 MIL. Abraços de um da gente.

    ResponderExcluir
  3. Amigo-irmão, Octavio. És isso mesmo: essa PESSOA linda, gente de luz, mundo feito de ternura e fortaleza em todos os verbos da vida. Agradeço a Deus (com)partilharmos a estrada. Um fraterno abraço. Daniel Leite

    ResponderExcluir
  4. Daniel, sou feliz por compartilhar contigo essa trajetória. Um grande abraço.

    ResponderExcluir