quinta-feira, dezembro 30

SOMOS COMO UM MONTÃO DE ANOS VELHOS POR ISSO TEMEMOS O NOVO

Virada de ano. Tempo de reflexão e projeção. Vejo o Ano Novo como o via o mestre Artur da Távola: "Como a esperança da renovação, que tem um nome: criatividade. Criar é manter a vida viva. Criar é ganhar da morte. Morte é tudo o que deixou de ser criado. Criatividade é, pois, um conceito imbricado no de vida. Não há como separar os dois conceitos. Vida é criação e criação é vida. Só a criatividade nos dará uma possibilidade de solução para cada desafio do novo. As soluções jamais se repetem. Nós é que nos repetimos por medo, comodismo ou burrice. Adoramos repetir, tememos renovar, por isso tanto sofremos."

Assim, compartilho com você esta crônica do Paulo Alberto de Barros Monteiro, o verdadeiro nome do mestre Artur, que fez de muitos, cavaleiros de sua Távola:

O que estou fazendo com as minhas partes que ficaram paradas? O que está você fazendo com as suas?O que estou fazendo para renovar o que há de antigo em mim, tão arraigado que até já o suponho convicção? O que você está fazendo com o que há de antigo em você, e que talvez se exteriorize com a aparência de ser o mais moderno?

Somos como o ano velho. Como um montão de anos velhos, acumulados. Vivemos a repetir o que já sabemos, o que já experimentamos. Repetimos, também, sentimentos, opiniões, idéias, convicções. Somos uma interminável repetição, com raras aberturas reais e verdadeiras para o novo do qual cada instante está prenhe.
Somos muito mais memória do que aventura.
Somos muito mais eco do que descoberta.
Somos muito mais resíduo do que suspensão.

Somos indissolúveis, pétreos, papel carbono, xerox existencial, copiadores automáticos de experiências já vividas, fotografias em série das mesmas poses vivenciais. Somos um filme parado com a ilusão de movimento. Só acreditamos no que conhecemos. Supomos que conhecer é saber.

O ser humano é feito de tal maneira inseguro que a sua tendência é sempre a de reter as experiências e fazer da vida uma penosa e longa repetição do já vivido. O ser humano adora repetir. Ele precisa repetir, porque não está preparado para o novo de cada momento, para o fluir do Todo na direção da Transformação Permanente. Ele é uma unidade estática e acumuladora, num cosmos mutante e em permanente transformação.

Aceitar a mudança e a transformação é ameaçar tudo o que o homem adquiriu e guarda com avareza, para tentar explicar a realidade e a vida. Mas cada vez que o ser humano usa o instrumental guardado com tanta avareza para explicar o real, este já se transformou e o que antes era eficaz, novo, “descoberta importante”, logo se transformou numa informação parcial, num mero dado da realidade. Esta é sempre mais rica. Está sempre grávida de transcendência.


Aí está o grande dilema: para explicar o real só temos a nossa experiência anterior, mas esta só é válida no momento da sua revelação. Um segundo depois já ficou parcial, relativa, incompleta. Não temos, então, instrumental de aceitação do novo e o que temos fica mais velho e superado a cada aplicação.

Por isso é mais cômodo, fácil e simples para o ser humano cair na repetição do que já é, do que já sabe, do que já viveu. Ele chega a chamar a isso de “conhe­cimento”, quando é, apenas, cristalização de um saber anterior.

Por isso o ser humano tende tanto ao conservadorismo: atingida uma conclusão, montado um sistema de interpretação da realidade, logo o ser humano se aferra a ele (sistema) e, numa extensão, aplica-o a todo o real. Se o sistema é lógico, então, a mente racional se satisfaz e com isso o homem se supõe portador de uma verdade. Aferra-se então a ela, passando a ser um de seus defensores. Cria, a partir da verdade na qual crê e passa a repetir escolas de pensamento, doutrinas, religiões, ideologias, esquemas de interpretação da realidade, correntes, seitas, crenças, opiniões, convicções e até fanatismos. Cria uma espécie de dependência das próprias verdades. Passa de senhor a escravo. E quanto mais escravidão mental, mais sensação de liberdade.

Sim, somos viciados nas próprias crenças, dependentes das próprias verdades, toxicômanos das próprias convicções. E, como ocorre em todas as dependências, precisa­mos repetir as nossas verdades para que não caiamos no pânico da dúvida, na ameaça da mutação. Inventamos uma pacificação ilusória e grandiloqüente. Seu nome: coerência.

Coerência passa a ser grande virtude. “Fulano, conheço-o há trinta anos. Sempre na mesma posição. Tipo coerente está ali!” E assim saudamos a alguém que parou no tempo, que tão logo ganhou uma convicção fechou-se a todas as demais.

Assim nas crenças, assim nas idéias e assim, também, nos sentimentos, nas vontades e nos hábitos. Uma pessoa diz, com orgulho, que há quarenta anos torce pelo mesmo time. Fico a pensar no que ela perdeu de vida, alegria e descoberta nesse tempo todo, de oportunidade de apreciar a qualidade dos demais, a beleza da camisa dos outros, as virtudes dos antagonistas, o estilo dos adversários. No afã de querer a vitória das suas cores, quantas outras vitórias de outros ela deixou de fazer também suas, quantas alegrias perdeu.

A rigor não sabemos o que estamos fazendo para renovar o que há de antigo em nós. Em geral, nada. Não me refiro ao que há de permanente, pois o ser humano é feito de permanências e provisoriedades. As permanências (ligadas às essências) devem ficar. Mas as provisoriedades que se tornaram antigas, paradas e repetitivas e que ali estão remanescentes por nossa preguiça de examiná-las ou por nossa incapacidade (ou medo) de removê-las, estas precisam ser revistas, checadas, postas em discussão, em debate e arejamento.
Assim vejo o Ano Novo. Como a esperança dessa renovação, que tem um nome: criatividade. Criar é manter a vida viva. Criar é ganhar da morte. Morte é tudo o que deixou de ser criado. Criatividade é, pois, um conceito imbricado no de vida. Não há como separar os dois conceitos. Vida é criação e criação é vida. Só a criatividade nos dará uma possibilidade de solução para cada desafio do novo. As soluções jamais se repetem. Nós é que nos repetimos por medo, comodismo ou burrice. Adoramos repetir, tememos renovar, por isso tanto sofremos.

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OCTAVIO PESSOA
"O maior dom é o da aprendizagem, que só se completa se transmitido a outras pessoas"

domingo, dezembro 26

À MESTRA COM CARINHO

Comecei esta crônica há alguns meses atrás. Naquela altura, acabara de conhecer o cantor, compositor e instrumentista, Filó Machado. Por diversos motivos, não pude terminar o texto. Outras crônicas foram escritas. Depois disso, o Filó já esteve outra vez, em Belém. Desta feita, para acompanhar e dirigir show da nossa Lucinha Bastos. Espetáculo maravilhoso.
O Filó é um profiissional completo. Como instumentista e arranjador, ele já acompanhou diversos cantores internacionais, nos quatro cantos do planeta. Sua voz lembra a de Milton Nascimento e, cantando jazz, é impressionante o que ele faz com aquela voz. A cantora Elza Soares conta que, certa feita, o imortal Ray Charles disse-lhe que a voz dela, em si, é um instrumento. Para mim, mesmo eu não sendo uma autoridade no assunto para emitir opinião, a voz de Filó é uma orquestra completa.
Pois bem, como todo bom artista, Filó intercala os números musicais com causos ocorridos em sua vida profissional e pessoal. Entre essas histórias, uma me prendeu especialmente. Não só pela singeleza do tema, mas também porque me fez lembrar uma situação semelhante que se deu na minha adolescência. Um tema recorrente, aliás, na literatura e na música.
O Filó conta que havia uma professora de Francês, do colégio primário onde ele estudou que, toda vez que ela passava, deixava um caminho de perfume inebriante. Ele não conseguia ficar parado e seguia aquele rastro e, quando ela entrava na casa dela, ele se deitava no jardim e ficava ouvindo as músicas que ela colocava na vitrola. Eram clássicos, música francesa e outras de qualidade indiscutível. E ele, ali, ficava embevecido, chegando a dormir e a sonhar. Tanto é assim, que Filó atribui o artista que hoje ele é, a esse amor platônico pela professora paixão, que ele viveu na sua adolescência..
O que me lembrou de minha professora de Português, do curso ginasial. Ela era uma linda mulher, além de competente e muito charmosa, Conciliava em seu nome o nome da mãe e do próprio salvador do mundo. Logo, logo, ela se tornou uma paixão coletiva. Todos nós, adolescentes conversávamos sobre a beleza de seu rosto e os contornos daquele corpo, Não perdíamos um só de seus movimentos. Sua candura e a habilidade para ensinar não permitiam que nos dispersássemos nas lições e nos exercícios. Acredito que, como eu, muitos daqueles adolescentes sonharam pelo menos uma vez com a nossa professora favorita, que era de, pelo menos, uma geração antes da nossa.
Certa vez, ao externar minha dificuldade para escrever determinada palavra, ela se colocou ao meu lado e pousou aquela mão aveludada sobre a minha e me ajudou a escrever. Foi uma sensação indescritível. Acredito que eu ruborizei. Minha cabeça foi “a mil” e o resto do meu corpo muito mais. Passei um dia sem lavar as mãos, só prá lembrar a cena e o perfume inebriante que ela usava. A historinha do Filó trouxe essa vivência à minha mente, com toda intensidade.
Mas noutro dia, lá estava ela impávida e imperturbavelmente compenetrada. O que, na minha imaginação juvenil fora um jogo de sedução, revelou-se ter sido uma forma carinhosa de ajuda a um aluno em dificuldade. Bem que eu desejei que não fosse assim. E a minha reação foi a de cada vez mais me aplicar nas leituras, nos exercícios, nas redações e nas interpretações de texto.
Tal como Filó atribui sua expertise em música àquela professora de Francês com quem ele sonhava dormindo ou acordado, prá mim, se eu me tornei um “escultor com as palavras”, como me definiu certa leitora, atribuo créditos àquela mestra de Português, dos tempos em que o exercício do magistério era um sacerdócio e uma arte, a quem eu dedico esta crônica com todo meu carinho.
*Jornalista , advogado e auditor federal de controle externo.
E-mail: octavio.pessoa.ferreira@gmail.com; http://twitter.com/OCTAVIOPESSOAF
http://blogdooctaviopessoaf.blogspot.com/

quinta-feira, dezembro 23

O QUE É O NATAL?

Faço minhas as palavras do autor deste texto e dedico a meus leitores e leitoras, desejando que o Natal seja tudo isto e muito mais:


“O que é o Natal?”

Se tens amigos, busca-os! O Natal é encontro.
Se tens inimigos reconcilia-te! O Natal é paz.
Se tens pobres ao teu lado, ajuda-os! O Natal é dom.
Se tens soberba, sepulta-a! O Natal é humildade.
Se tens dívidas, paga-as! O Natal é justiça.
Se tens errado, converte-te! O Natal é graça.
Se tens trevas, acende o teu farol! O Natal é luz.
Se tens tristeza, reativa a tua alegria! O Natal é gozo.
Se tens ódio, esquece-o! O Natal é AMOR.”

sexta-feira, dezembro 10

VAMOS AJUDAR UMA FAMÍLIA A SE REENCONTRAR

O Filipe Rodrigues (Balrog), Tenente Rodrigues, formado na turma MEC-07 do ITA, está a procura de parentes dele- avó e tia, que, se ainda vivas, provavelmente moram aqui no estado do Pará. Vamos ajudá-lo.

A história é emocinante. O pai do Filipe, Sr. Antonio Rodrigues Moreira, nunca conheceu ou tem apenas lembrança desses parentes. Ele nasceu no Pará, em 1945 e foi registrado no Cartório de Nova Timboteua.

A família que o criou diz que Antonio foi deixado pela mãe, dentro da casa de moradia daquela família e desapareceu. Contam que a irmã do Seu Antonio (tia do Filipe) foi doada para uma família influente da cidade de Nova Timboteua, a família Falcão, à época dos fatos, 1946/47. Quem o criou não gosta de comentar nem de dar maiores informações sobre as origens de Antonio.

Particularmente, o Filipe não acredita que a avó dele tenha abandonado os filhos e desaparecido. E tudo o que Seu Antônio quer é ter informações sobre suas orígens e, se possível, abraçar sua mãe e sua irmã.

O Filipe diz que Seu Antonio, hoje com 65 anos, sofre bastante, especialmente em épocas como a que agora se aproximam, Natal e Ano Novo. Como na Páscoa e principalmente no Dia das Mães. E com o avançar da idade, Seu Antonio fala muito sobre a necessidade de ficar em paz com suas origens, chora várias vezes, imaginando a possibilidade de morrer sem conhecer a mãe e a irmã, que ele acredita, ainda estão vivas.

O maior sonho do Seu Antonio, é encontrá-las. Poder abraçá-las, dizer o quanto as ama; e reconstituir o vínculo que foi quebrado em tenra infância, em consequência do que, ele tanto sofre.

O Filipe já tentou encontrar suas avó e tia, através de telefonema para o Cartório de Nova Timboteua. Em vão. Quem o atendeu se limitou a dizer que não encontrara nenhum registro com os nomes informados.

Bem. São os seguintes os nomes dos parentes do Filipe:

Avô: MANUEL RODRIGUES MOREIRA- falecido por volta de 1947.

Avó: RITA MARIA DA CONCEIÇÃO. Filipe estima que, se ela estiver viva (se Deus quiser, está), deve ter 84 anos.

Tia (irmã do seu Antonio): JUSCIREMA RODRIGUES MOREIRA, a que foi doada para a família Falcão. Filipe supõe que o nome dela tenha sido mudado, pela família que a adotou. Se viva estiver, ela está agora, com 63 anos.


Eu tomei conhecimento desse drama familiar, pela minha irmã, Augusta que, por sua vez é mãe de meu sobrinho Márcio Felipe, também formado pelo ITA.

Já adotei ou estou adotando as seguintes medidas:

*Acionei a equipe do Jornal Liberal 1ª Edição (TV Liberal, afiliada da Rede Globo) que semanalmente dedica um programa à localização de pessoas desaparecidas. Fiz isso através do meu conterrâneo, colega jornalista e irmão de Maçonaria, Salomão Mendes, apresentador do Bom Dia Pará.

* Vou conversar sobre o assunto com o meu amigo Padre Paulo Falcão. De repente, pode a família Falcão a que ele pertence ser aquela para a qual a irmã do seu Antonio foi doada. O detalhe é que o Padre Falcão tem origens interioranas.

* Vou conversar com uma secretária daqui de casa, que tem parentes em Nova Timboteua.

* Estou colocando este assunto no meu blog e lincarei no twitter. Além de acionar minha rede de relacionamento.

Você que está lendo este texto, faça o que você puder fazer, na medida que você tenha informações sobre essas pessoas e/ou família.

Você pode informar para este Blog ou para meu e-mail
octavio.pessoa.ferreira@gmail.com;

para o Filipe (filipersmoreira@yahoo.com.br);

ou diretamente para o Seu Antônio: (22) 2630 9331 (22) 2630 9331; (21) 86773788 (21) 86773788

Vamos ajudar Seu Antonio a ter efetivamente, um FELIZ NATAL e um ANO realmente NOVO com a família reunida.

OCTAVIO PESSOA

quinta-feira, dezembro 9

ÉS BOM EM PORTUGUÊS?

A resposta correta é:

"Maria toma banho porque sua. Mãe, disse ela, pegue a toalha".


para a frase " MARIA TOMA BANHO PORQUE SUA MÃE DISSE ELA PEGUE A TOALHA ", que coloquei no Twitter e por e-mail à minha rede de relacionamento.

Trata-se na verdade, de de um teste realizado em um curso na American Airlines. Na frase proposta, cabe à pessoa colocar 1 ponto e 2 vírgulas para que a frase faça sentido.


A 'pegadinha' está no fato do uso do verbo suar, confundindo com o pronome possessivo (sua).. A Língua Portuguesa é fogo, mesmo.


OCTAVIO PESSOA
"O maior dom é o da aprendizagem, que só se completa se transmitido a outras pessoas"

quarta-feira, dezembro 8

ATIROU NA CABA, ACERTOU NA MULHER

Promessa é dívida. Aqui estou prá resgatar o compromisso de contar o causo do candidato nas últimas eleições, que desconfiado da fidelidade de suas “cabas” eleitorais, acabou acertando na mulher dele. Recebi muitos e-mails de curiosos querendo saber quem foi o político. Conto o milagre, mas não digo o nome do santo.

Ele botou na cabeça que era hora de iniciar, prá valer, uma carreira política. Filhos criados, empreendimentos se desenvolvendo, a ele só interessava ser deputado federal, procurando esquecer da tentativa que fizera, tempos atrás de tornar-se vereador, quando, como nessa nova investida, não obteve sucesso.

Foi buscar na Grécia antiga um método infalível que, na avaliação dele, lhe permitiria conseguir os mais de cem mil votos necessários. Acercou-se de sábios, que embalavam suas idéias e o estimulavam a investir maciçamente campanha dele. Segundo ele próprio, o investimento não foi pequeno. Mas teria sido apenas uma ínfima parcela de um grande negócio que fizera. Por isso, tudo o que empregasse na campanha seria pouco, uma vez que ele estava predestinado a redimir o povo paraense de seu estado de miséria, mesmo vivendo em um estado rico. Ele dizia isso, convictamente em todas suas prosas. E o pior, acreditava no que estava dizendo.

Conhecido intelectual paraense, ao saber por sua empregada doméstica do discurso do candidato, comentou que o Dr. Simão Bacamarte, da obra O Alienista, de Machado de Assis, albergaria o candidato, na Casa Verde, da Rua Nova da cidade imaginária de Itaguay, junto a João de Deus, aquele que passou a se sentir deus João e prometia o reino dos céus a quem o adorasse e as penas do inferno aos demais; e daquele que narrava às paredes sua árvore genealógica: “Deus engendrou um ovo, o ovo engendrou a espada, a espada engendrou Davi, Davi engendrou a púrpura, a púrpura engendrou o duque, o duque engendrou o marquês, o marquês engendrou o conde, que sou eu”.

Não tenho elementos nem formação prá concordar ou não com essa tese. O que consta é que o preço da aventura, aliás, da campanha, não foi pequeno. O candidato teria sido visto lá pras bandas de Castanhal, distribuindo pacotes de mil reais a pretensas “lideranças” comunitárias, que estouravam a grana em cachaça e muita curtição. Até encontrar outro bobo, prá repetir a façanha.

Mas ele se orgulhava de haver adestrado muita gente, prá convencer os eleitores da veracidade de sua promessa redentorista. Além da remuneração em espécie, o candidato fornecia também a alimentação prá sua gente. Alimentação essa feita em sua própria casa, pela abnegada esposa, senhora muito prendada e primorosa nas artes da cozinha. Ele gastava uma grana no atacado e fazia economia de palito.

Talvez por ter recebido alguns “toques", ele passou a desconfiar da fidelidade de suas “cabas” e resolveu apurar a fidelidade das meninas. Como apurar essa fidelidade, era a sua angústia. Ele não podia compartilhar sua agonia nem com a mulher, nem com os sábios que o cercavam. Os sábios, nessa altura, eram todos suspeitos. Depois de muito matutar, uma idéia luminosa acendeu em sua mente iluminada. Passou o resto do dia providenciando os apetrechos e selecionando os locais onde se daria o flagra.

De manhãzinha, sem fazer nenhum barulho, para não acordar a esposa que tinha um dia de trabalho pela frente, saiu de mansinho. Na sala, vestiu o disfarce. Barba e bigode postiços, óculos escuros e chapéu de aba grande, calça, camisa, sapatos, tudo totalmente diferente do que costuma usar. Saiu da garagem com a velocidade que pode. Estacionou o carro a dois quarteirões do local onde se daria o flagra e dirigiu-se ao ponto em que se encontravam três “cabas” eleitorais, que batiam gostoso papo.

O candidato caminhou em direção a elas e à medida que se aproximava, diminuía o passo, estimulando uma abordagem. Queria ouvir o discurso para o qual elas foram adestradas. E nada. Percebeu apenas um olhar de quem diz: quem será esse doido? Seu humor foi se alterando. Passou uma segunda vez e uma delas ainda lhe pediu um cigarro. Com um brusco grunhido, respondeu que não tinha cigarro. Não queria que reconhecessem sua voz. O sangue lhe subiu à cabeça quando, olhou para trás e viu seus santinhos irem parar na sarjeta. Dirigiu-se a outros pontos de ação eleitoral, repetiu a estratégia e não sentiu nenhuma diferença. Lá pras bandas do Guamá, uma das “cabas” ainda se insinuou prá cima do “desconhecido”, mas doutrinação de redenção do povo paraense ou entrega de santinhos, necas de catibiribaçu, como diria o comendador Mário Sobral.
No final da manhã, retorna para casa com a veia pastora quase prá espocar, de tanta raiva. Da boca uma baba grossa escorria, sujando o bigode que ameaçava cair. Entrou em casa com mais de mil. A esposa, de costas, com a bandeja cheia de quentinhas, o almoço das meninas, virou-se e caiu desmaiada, tudo indo ao chão, quando ouviu aquele grito estentóreo:
- PAAAAAAAAAAAAAAAARA. Não tem mais comida prá (o resto da frase é impublicável).
Só que ex-quase redentor do povo paraense esquecera de tirar o disfarce.
Dizem as más línguas que a menstruação da mulher dele “subiu” e só deve voltar daqui a quatro anos, quando ele tentar novamente se eleger deputado federal.

*Jornalista, advogado e auditor federal de controle externo.
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segunda-feira, novembro 1

UM REGUFFE SÓ NÃO FAZ VERÃO

Se “Uma andorinha só não faz verão”, um Regufe só também terá dificuldade de fazê-lo. Quem é ANTONIO José Machado REGUFFE?

É um jornalista e economista nascido no Rio de Janeiro e criado em Brasília que se elegeu deputado federal pelo Distrito Federal, nas últimas eleições, com uma votação proporcionalmente considerada, maior que o palhaço Tiririca. Sim, o eleitorado de Brasília é muito menor que o do estado de São Paulo. De cada cinco votos dos brasilienses, um foi para Reguffe. Ele obteve duzentos e sessenta e seis mil e quatrocentos e sessenta e cinco votos, o equivalente a quase dezenove por cento do eleitorado do Distrito Federal.

Qual o segredo para essa façanha? A coerência entre o discurso e a prática, durante seu mandato de deputado distrital, conquistado em 2006. Deputado distrital é o equivalente, no Distrito Federal, aos deputados estaduais, nos estados.
Ou seja, o deputado Reguffe está concluindo seu primeiro mandato de deputado distrital e no próximo ano, assumirá uma cadeira na Câmara dos Deputados. O que Regufffe se propôs a fazer e o fez, nos quase quatro anos, na Câmara Legislativa de Brasília?

Primeiro, abriu mão dos décimo quarto e do décimo quinto salários, prerrogativa dos deputados, para igualar-se a todos os trabalhadores que ganham apenas treze salários; eliminou 14 vagas de assessores e diminuiu a ajuda de custo de seu gabinete. Com isso, economizou aos cofres públicos mais de R$ 53 mil por mês, num total de R$ 3 milhões, nos quatro anos de mandato. Dinheiro que poderia ser empregado em educação, saúde, segurança pública, e não, por exemplo, para os deputados distritais terem assessores em excesso.

Com desprendimento sincero, Reguffe não é nenhum milionário, o deputado ficou à vontade para aprovar projetos de lei sintonizados com os interesses da cidadania e de rejeitar aqueles que não consultam os interesses públicos, independentemente de terem sido apresentados pelo governo ou pela oposição.

E graças a essa rara independência, viu serem aprovados projetos de lei de sua autoria como o que concede bônus-desconto de 20%, ao consumidor que reduz seu consumo de água, tomando como base o consumo do mês do ano anterior. Projeto esse, que está sendo copiado por várias assembléias legislativas, em todo Brasil. Aprovou também, o que incentiva o uso de bicicleta, obrigando a instalação de bicicletários nos centros comerciais e bancos. O parlamentar formulou ainda, várias denúncias, exercendo efetivamente o papel de fiscal da aplicação dos recursos públicos, que todo parlamentar deveria exercer.

Nas últimas eleições, Reguffe votou no primeiro turno em Marina Silva. No segundo, não apoiou nem Serra nem Dilma, por não se sentir representado seja pelo PT ou pelo PSDB, sendo o partido a que é filiado, o Partido Democrático Trabalhista- PDT, da base de sustentação do governo federal, para onde foi levado por Cristóvam Buarque.

Nas eleições de Brasília, Reguffe apoiou Agnelo Queiroz para o governo. Fez isso porque considera que Roriz já governou a cidade por 14 anos e já demonstrou sobejamente a que ele veio. E Agnelo representa um novo caminho, outra alternativa para Brasília, apesar de, pelo gosto de Reguffe, Brasília merecer algo diferente do PT e de Roriz.

A fórmula é essa. Coerência entre a ação e discurso de campanha. No exercício de seu mandato de deputado distrital, Reguffe foi coerente com seu discurso, o que explica seu sucesso na disputa à Câmara dos Deputados.

Para o novo deputado federal, a discussão de uma reforma política, no Congresso Nacional, é urgente e necessária. “Este país precisa de uma reforma política profunda e urgente. As pessoas hoje não se consideram representadas pela classe política e há um poço que separa representantes de representados. Nós vivemos em um Estado Democrático de direito, mas não vivemos em um Estado Democrático de fato. Há uma crise na nossa democracia representativa que é culpa dos personagens, dos desvios éticos inaceitáveis, e também, culpa do sistema”, diz o deputado que resume sua proposta em cinco pontos.

O primeiro é o fim da reeleição para cargos executivos e a proibição de mais de uma única reeleição para cargos legislativos. É preciso oxigenar a política constantemente, quebrar vícios e renovar a política de uma forma constante, afirma ele.

Segundo, a instituição do voto facultativo no Brasil, vale dizer, e o fim do voto obrigatório. O resultado do voto obrigatório, para Reguffe, é o Tiririca. Com o voto facultativo, os Tiriricas não seriam eleitos. Além do que, como é sabido, o voto obrigatório dá margem a todo tipo de influência do poder econômico. É preciso trazer mais consciência ao gesto de votar.

Terceiro, o voto distrital. Para Reguffe, hoje há uma distância enorme entre representantes e representados, “e precisamos diminuir esta distância. A política tem de se tornar mais acessível”.

Voto distrital é aquele em que a circunscrição eleitoral é dividida em diversos distritos e o parlamentar representa os interesses de determinado distrito, tornando-se mais fácil o controle da ação parlamentar por seus eleitores. Trata-se de um sistema presente em diversos países europeus e no Chile.

Neste ponto, referindo-se às campanhas em Brasília, diz o parlamentar, “os candidatos têm de fazer campanha no Distrito Federal todo, tornando-se muito caro. Se diminuir a área geográfica, você acaba barateando a campanha”

Quarto ponto, instituição de um sistema de revogabilidade de mandatos parlamentares. Pela idéia de Reguffe, o candidato teria que registrar suas propostas de campanha junto ao respectivo TRE ou TSE, que registraria em seu site, os compromissos de cada candidato. Uma vez eleito, qualquer eleitor, tendo ou não votado no parlamentar, poderia pedir, na Justiça, de volta o mandato de quem descumprisse qualquer um dos compromissos de campanha.

O último ponto da proposta de Reguffe é a proibição de doações privadas, com o financiamento das campanhas feito exclusivamente pelo fundo de financiamento das campanhas eleitorais. Sendo esse fundo diferente do proposto no projeto de lei que hoje tramita no Congresso Nacional. Em linhas gerais, pela proposta Reguffe, o TSE e os TREs fariam uma licitação para a contratação de gráfica e produtora que imprimiriam e gravariam o material de divulgação de todos os candidatos, com os mesmos tamanho, quantidade e formato, permitindo assim, igualdade de condições entre os disputantes das eleições. “Hoje há uma promiscuidade enorme entre público e privado”, diz ele, “e esta nova regra daria uma chance maior de uma pessoa digna disputar uma eleição, em condições menos desiguais”.

Este é o resumo das idéias do deputado distrital e deputado federal eleito, Antonio Reguffe. O bom senso do leitor é suficiente para o juízo de valor dessas propostas.

Repercuto aqui, é o que poucos canais jornalísticos – televisivos, radiofônicos ou impressos - tiveram coragem de trazer a público: o “novo” que emergiu nessa última campanha eleitoral.

E o novo incomoda. A reação dos pares de Reguffe na Câmara Legislativa do Distrito Federal, até onde sei, não foi pequena nem episódica. Foi contundente e constante. No início, as vivandeiras do “não vai dar certo” ou do “o que é que esse rapaz está querendo?” tentaram confundir, perante a opinião pública, a postura ética, honesta e acima de tudo, inovadora de Reguffe, procurando igualá-lo a Collor de Mello, caçador de marajás.

Não colou. Pelo contrário. Quando veio à tona o suprassumo da podridão do sistema encastelado nos poderes constituídos do Distrito Federal - o escândalo do mensalão da Câmara Distrital de Brasília, que levou à prisão o governador Arruda e a quadrilha que o rodeava, formada inclusive por parlamentes - Reguffe não só passou ao largo de qualquer acusação, como influiu desde o início do processo e sua postura foi decisiva, para que tudo não terminasse em pizza, ainda que solução dada ao episódio, não tenha sido a desejada por Reguffe.

O embate estabelecido ainda na Câmara Legislativa do Distrito Federal é a velha disputa entre a criatividade e a mediocridade, em que a mediocridade não precisa articular-se deliberadamente, porque ela já é naturalmente articulada contra o novo, quase sempre isolado. É o medo dos medíocres se perder privilégios e favores, conquistados à socapa, nas sombras e desvãos dos sistemas podres, porque sabem que às claras não sobrevivem.
Exerço aqui, meu papel cidadão de compartilhar informações sonegadas solenemente pelos canais de comunicação de maior audiência, por motivos óbvios. Trago as teses reguffianas para discussão, convocando meus leitores à reflexão sobre elas. Quiçá as aprimoramos e as enriquecemos, concorrendo assim, para a tão sonhada mudança das regras atuais que forçam as pessoas dignas, ainda que vocacionadas para a vida pública, a fugir do “mundo da política”, certas da sordidez que prevalece nesse mundo, em que prevalecem os mentecaptas, com as honrosas e felizes exceções.
Por último, externo minha angústia diante desse quadro e manifesto minha aspiração por que outros Reguffes surjam na vida nacional, para vislumbrarmos um futuro mais justo, fraterno e humanístico para as futuras gerações.
Reguffe é, a meu ver, a andorinha do adágio popular, que precisa com urgência, de outras andorinhas para que o verão possa ser feito.

OCTAVIO PESSOA – advogado, jornalista e auditor federal de controle externo
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domingo, outubro 31

MORTO SÓ DAQUI A POUCO

Havia prometido não mais tratar do assunto velórios. Mas não resisto em compartilhar com vocês mais este causo que tem como mote, na verdade, outro tema que também rende farto manancial de argumentos para chargistas e cronistas - as campanhas políticas. E a campanha deste ano não foi diferente. Houve situações pitorescas e hilárias, como a do candidato que, desconfiado da fidelidade de suas “cabas” eleitorais, resolveu dar um flagra em cima delas e sobrou prá mulher dele. Mas esta fica prá próxima. Vou contar agora, o episódio que ensinou ao candidato a precaver-se, em campanha política, até com notícia de presunto.
Já era esperada há dias, a hora daquele correligionário ir prestar suas contas com o Todo Poderoso. Pessoa afável e de bom trato, seu estado terminal deixava o político apreensivo. Na última visita do candidato a deputado ao candidato a defunto, aquele designou um parente deste, prá mantê-lo sempre informado quanto ao avanço (retrocesso eu acho mais adequado) do quadro de saúde de quem, na avaliação do político, estava macambúzio, sorumbático e nauseabundo. Se o coitado batesse a caçoleta, não importava a hora, era prá notícia ser dada imediatamente. O quase deputado se sentia no dever de expressar seus sentimentos aos amigos e parentes do infortunado, o quanto antes. De preferência, antes dele chegar ao cômodo determinado por São Pedro, prá seu descanso eterno. A medida era necessária e principalmente, estratégica. Afinal, todos ali, eram seus eleitores.
Prá variar, a Lei de Murphy – se algum erro é possível de se dar, prepare-se, porque ele vai acontecer - aconteceu. O político estava no extremo oposto de sua base eleitoral, quase fechando acordo com um candidato a outro cargo eletivo, acordo que seria muito bom prá ambos os lados (dizem as más línguas que o candidato não se elegeu porque perdeu esse acordo), quando o celular tocou para anunciar que o homem tinha esticado as pernas de vez.
Candidato, assessor e motorista voaram pelas estradas esburacadas de terra batida. Muitos solavancos depois, chegaram à choupana do desencarnado. Do lado de fora, muita gente se aglomerando. O motorista, solidário, começa a dar pêsames aos parentes e amigos do falecido, parecia até que ele era o candidato. Enquanto isso, o propriamente dito e seu assessor vão entrando com beira na pequena moradia de quarto e cozinha.
Como todo defunto que se preza, aquele também estava espichado em cima da única cama, no quarto de terra batida, coberto por um lençol. Candidato e assessor se entreolham assustados ao perceber que a fina coberta subia e descia, subia e descia. Quando o motorista finalmente chega esbaforido, ao pequeno cômodo, e prossegue os cumprimentos aos parentes e amigos, ao redor do defunto, que recebiam os sentimentos entre tartamudos e desconfiados, o candidato comenta com o motorista, falando entre os dentes, “o lençol tá se mexendo. Nós achamos que o defunto tá vivo”. Nada disso, retruca o motorista. E pálido, acrescenta “ele não pode fazer isso comigo. Deve ser uma corrente de ar que está balançando esse lençol”.
Diante da situação inusitada, o quase deputado sentindo-se numa saia justa e não sabendo como cumprimentar as pessoas, chama de lado o informante da morte e cobra uma posição. “Afinal, ele morreu ou não morreu?”
- Olhe, seu deputado, prá falar a verdade, quando eu liguei pro sinhô, o cuirão tava morto, morto. Mas paresque ele resolveu vortá. Vai vê que a arma dele vortô prá se dispidí do sinhô. Num se avexe, não. Pode dá os pesos pro pessoal. Daqui a pouco ele morre de vez.
Octavio Pessoa – jornalista, advogado, auditor federal de controle externo.
octavio.pessoa.ferreira@gmail.com
Acompanhe-me no Twitter: octaviopessoaf.

quinta-feira, outubro 21

Aos 97 Boi Bumbá Caprichoso gera uma filha.

Como homenagem aos 97 anos do boi bumbá Caprichoso, Caprichosa foi o nome dado à
primeira bezerra produto de IATF ( Inseminação Artificial em Tempo
Fixo ) nascida em 20 de outubro de 2010 em Parintins. Faz parte de um
projeto do IDAM Parintins cuja Unidade de Observação fica na
fazendinha Vovô Octacílio, Rodovia Eduardo Braga Km 1. O IDAM fornece
a logística para compra e envio de Nitrogênio Líquido para a
conservação de sêmen e acompanhamento técnico, a contra partida do
criador é muito importante com a estruturação da propriedade, sanidade
do rebanho, aquisição de sêmen e equipamentos para inseminação etc...
O projeto é coordenado no IDAM Parintins pelo Médico Veterinário da
Octacílio José Pessoa Ferreira Neto. A Bezerra caprichosa se trata do
primeiro produto oriundo do projeto que também já se estende a outros
criadores do município, é filha de uma vaca mestiça leiteira
inseminada pelo profissional veterinário em 16 de janeiro do corrente
ano, foi utilizado sêmen de um touro Holandês Americano de nome Rod
End Marshal Basic comercializado no Brasil pela ABS Pecplan de Uberaba
( MG ). O sucesso do projeto é certo e muito contribuirá para o
melhoramento genético do rebanho Parintinense e do Baixo Amazonas.

Parabens ao médico veterinário, Octacílio José Pessoa Ferreira Neto, ao IDAM e a todos os incentivadores do projeto.

quinta-feira, outubro 14

O SEGREDO DA NAZICA

Durante toda a viagem no regatão do compadre Didi, de vez em quando mestre Manduquinha subia no toldo do barco, a modo de molhar os perus, patos e galinhas caipiras que vinham na gaiola da embarcação. De manhã cedo e quando o sol baixava, ele subia prá dar milho pros bicos. Queria que eles chegassem cevados como estavam lá no Aduacá. Os amarrados de mari-mari e os paneiros com piracuí de acari e as caixas com tucumã ficavam em baixo de sua rede no convés do barco Sapucaia. Quando se espichava na rede, imaginava - Ah! Se não fossem os fiscais do Ibama... Tinha trazido uma tartaruga peiada e também umas dúzias de ovos de tracajá. Mas os cuirões tão “marcando cerrado” o embarque desses produtos. Num há ser nada, vou levando uma boa bóia, imaginava Manduquinha, soltando uma baforada da porronca. .
Tá certo, ía incomodar um pouco. Mas ele precisava fazer aquele tratamento médico na capital. E, parente é prá essas coisas, pensava ele. Além de tudo, Nazica não era apenas sobrinha, era também sua afilhada. E a Sinhá lhe falara que na casa da Nazica tinha até um quarto de agasalhar parente que os pávulos da capitar chamam de quarto de hóspede. Disque tem até privada dentro. Só quero ver.
Num há de ser nada, imaginava o caboclo. Além do que, ia matar uma saudade antiga. Desde que Nazica arribou lá das bandas do Aduacá, na antiga zona do contestado entre os estados do Pará e do Amazonas, nunca mais a vira. Se bem que sempre foi convidado pros eventos mais importantes da cunhantã, como a sua colação de grau em Economia e seu casamento. Mas as ocupações com o rebanho e as atividades de comércio nunca permitiram que ele comparecesse. Mas sempre despachava a velha Sinhá e uma das meninas. Quando veio a Belém, certa feita, ele foi passando direto pro Marajó, prá participar de uma exposição gado búfalo. Soube que a Nazica andava, então, pelas Orópias. Num havia de ser nada, um dia iria reencontrar a afilhada. E a oportunidade era agora. E não ia chegar de mãos abanando. Trazia o que de melhor podia oferecer.
O barco atracou de madrugada, num porto da Bernardo Sayão, prá ele sempre Estrada Nova. Olhou e não reconheceu ninguém à sua espera. Já começava a ficar cuíra, quando um homem se dirigiu a ele e perguntou com voz empostada se ele seria o Sr. Manuel Raimundo da Silva Rodrigues.
- Que diacho é isso? Pensou o caboclo. Um “sordado” esperando por mim? Mas, não cortou conversa: - É verdade, doutor, esse nome está na minha identidade, mas só me chamam de Manduquinha, desde que era curumim lá pras bandas do Aminaru.
- O senhor é o tio da Doutora Nazaré Campbell?
- “Cam..” o que? Olhe, eu sou tio e padrinho da Nazica, que nasceu lá no Aduacá. Sinhá falou com ela e ela disse que vinha me apanhá, aqui adonde encostam os barcos que vem daquelas bandas.
- Desculpe, senhor, a Doutora Nazaré esta hora está dormindo. Permita-me apresentar-me. Eu sou Charleston, o motorista da família. Muito prazer. Estou aqui, para ajudá-lo.
Ah! bom, pensou Manduquinha, tô bem arrumado. Enfim, estendeu a mão e - Sastifação, seu..seu... – Pode me chamar de Charles, fica mais fácil, retrucou o motorista, caprichando no chiado da segunda sílaba. – Este cara é viado, pensou Manduquinha. Isso não é nome de macho.
A operação demorou um pouco. Mas finalmente, a mala, os paneiros, os amarrados e as caixas foram colocadas na carroceria da F-2000, cabine dupla.
No caminho, Manduquinha ia imaginando – Égua, parente, a Nazica deve de estar muito bem amparada. Até motorista fardado ela tem. Vá pílula. Tomara que ela não esteja muito pávula, porque abestalhada ela nunca foi.
Manduquinha levou um susto com a casa de Nazica. Uma bela mansão lá pros lados do aeroporto. O caboclo foi instalado num quarto confortável. Foi verter água e ficou espantado com a belezura da privada. Num vazo desse, agente nem tem coragem de obrar, disse pros seus botões. Mas o relaxamento da tensão da chegada na Estrada Nova proporcionou-lhe serviço completo. Ficou mais impressionado, com o cuééé´mmm, que a água fez, quando apertou o botão prá descagar o vaso. O que ele gostou foi da localização do quarto. Ficava longe da sala e dos demais quartos. Pelo menos isso, pensou ele, aqui não incomodo os outros viventes desta casa.
Lá pras onze e meia da manhã, Esmelda, a governanta, que Manduquinha tinha que fazer um esforço enorme prá não chamar de Esmerda, anunciou-lhe que a Doutora Nazaré esperava por ele na sala de estar.
- Olá, tio Manoeeeln! Quanto tieeempo, heeeeein?
- Para com isso Nazica, cadê a benção do padrinho? E pode continuar me chamando de tio Manduquinha ou de dindinho, como tu me chamava no tempo de cunhanmuçu-pisaçu, lá no Aduacá. Respondeu Manduca, espantado com a nasalação e os trejeitos na boca da afilhada.
- Que horrrror, tio. Se um dia eu fui Naziiiiiica, já esqueci. Agora sou Naaazarééé ou Carioooca, como chamam minhas colegas de academia. Saaabe, tio Manoeeel, quando a geeente viaja para o Suuuul e outros lugares do mundo, agennnte vai adquirindo outros modos e sotaaaques. E como estão seus e os demais lá da sua terra?
- Ah bom, Nazaré, tou na tua casa. – Manduquinha mal disfarçou certa decepção com a sobrinha e falou sobre os mimos que trouxera para a família. Nazica, aliás, Doutora Nazaré, sem perder o carioquês artificial, agradeceu e chamou a governanta para, como o apoio de Charleston guardar os presentes do tio Manoel. E, muito solícita, disse-lhe que o motorista ficaria à disposição dele, com a ressalva apenas do horário de sua academia e das suas saídas para o Shopping. As crianças estavam em férias nos Estados Unidos e o marido trabalhava o dia inteiro, deslocando-se em sua BMW, saindo de manhã e voltando somente à noite. Manduquinha, aliás tio Manoel poderia fazer as refeições nos horários que lhe fossem mais convenientes. A conversa terminou com um coooom licieeença.
Manduquinha não gostou nada do que viu e ouviu. Especialmente com o fato da afilhada referir-se à terra onde ela nasceu como se não fosse dela. Na sabedoria do homem simples, Manduquinha podia não conhecer a palavra, mas ele identificava o provincianismo dos deslumbrados com as vivências em outros centros que passam a negar a sua própria terra. Caboclo “passado na casca do alho”, Manduquinha pensou com os seus botões: a vida é essa. A cuirona tá abuiada. Só espero que o tar do marido dela num seja um contrabandista. Quem viu essa perreché, criada a devoluto, correndo pela varanda da casa do finado Tinico e se atirando da cabeça da ponte. Adepois, diziam a más línguas, que ela bateu barro com muito daqueles curumins criados que viviam mergulhando o bodeco. É! Saiu que nem a velha Pupu, tia dela, que na juventude, ah! Meu Deus, fez a felicidade de muita gente. Manduca não pode evitar um sorriso nostálgico, lembrando das festas de antigamente, lá pros lados do Xixiá, Aminaru, Papucu e Curiá. Aquilo que era vida! Muito forró, muita esfregação de virilha.
Ah! bom. Mas estou aqui é prá cuidar desse anuviamento que deu de aparecer nos meus zolho. Vou procurar incomodar o mínimo e vortar lá pras minhas bandas. Agora, uma coisa me deixou cuíra. O que fizeram na venta da Nazica? Num tá normar. Quando ela fala ou sorri, o beiço de cima nem se mexe, fica duro. E as bochechas? Parece dois tomates amarelos.
Nas poucas vezes que tomou café da manhã com a sobrinha e o marido dela, o divertimento interior do caboclo era a fala da Nazica, que ele comparava com uma taquara rachada e as lucubrações que ele fazia quanto ao que fizeram pro rosto de Nazaré ficar daquele jeito. Tanto dinheiro, pensava ele, e a cara já desse jeito. Eu dava uma boiada prá ver essa cara sem essas pinturas todas e esse perfume que enjoa a gente.
Manduquinha gostou muito do marido da afilhada. Sujeito simpático, falante, torcedor do Paissandu, seu time do coração. Era um dotor cerurgião, que trabalhava de sol a sol e gostava de assuntar sobre as coisas do interior. Prometeu até visitar o Aduacá. Se ele cumprir a promessa,vou matar uma rês e fazer uma churrascada prá dotô nenhum botar defeito, mato um porco prá fazer mixira e ensino até ele a pescar.
O caboclo não gostava era do jeito com que um certo doutor Ricardo, amigo da família, olhava prá Nazica. Manduca comparava com o jeito que o pescador olha pro lago onde ele pesca. E ela ficava serena como um pião rodando dentro duma roda riscada no chão. Enfim, pensava o caboclo, aquilo era uma saliência que o marido tinha que cuidar.
Certa manhã, Manduquinha, que estava na sala de estar, atendeu ao telefone. A carioooonca está? Ele já ia dizer que não conhecia, quando lembrou o apelido da Nazica. Caboco ladino, percebeu a ironia da mulher do outro lado da linha, ao se referir à dona da casa como carioca. Passou o telefone e permaneceu no ambiente, concentrado na página de esportes do jornal. Lá pelas tantas, foi impossível manter a concentração. Na conversa com outra dondoca, a sobrinha deu a pista do seu segredo pro tio Manduquinha, que manteve a discrição, enfiando mais ainda, a cara no jornal, soletrando uma reportagem sobre a vitória do Papão contra o clube do Remo. A estridência da música “Hoje a jiripoca vai piar” com que o cantor Leonardo embevecia Carioca, recostada sobre almofadas no sofá da sala, prejudicava a audição de Manduquinha, mas ele percebeu que a conversa girava sobre tratamentos de beleza e cirurgia plástica. Junto com um dos agudos do cantor, manduca ouviu bem a palavra bostox.
Axi porcaria! Exclamou Manduquinha, prá ele mesmo. Então é merda que essa cuirona esfrega na cara dela prá ficar assim. Lisa, dura, esquisita, num treme nem quando leva susto. Agora, só tenho que descobrir que tipo de bosta faz esse efeito. Será titi de galinha? Ou é estrume de novilha coberta? Ah! É por isso que ela só anda perfumada. É um disfarce.
Octavio Pessoa - jornalista, advogado e auditor federal de controle externo.

sexta-feira, setembro 10

POR QUE OS PORQUÊS

Na edição de hoje, dia 10 de setembro de 2010, do Bom dia Brasil, foi inserida uma matéria muito boa sobre o uso dos diversos "porquês". Juntos, separados, com acento sem acento. Rememorei velhas lições do passado, resgatei o trovador adormecido e "saquei" esta que agora, compartilho com vocês:

Quisera eu entender por que
em Português há tantos porquês.
Porque, se não entendo agora,
pela minha vida a fora,
perguntarei sempre: por quê?

segunda-feira, agosto 23

A Ação da Igreja Católica no Mundo Urbano de Hoje

Com a inserção deste texto, homenageio o Padre Benedetti, da Diocese de Campinas, por sua brilhante e contemporânea palestra sobre como deve ser a atuação da Igreja Católica, no mundo urbano em que vivemos

"Neste texto, procuro apresentar as principais idéias apresentadas nas palestras. Elas nem sempre estão ordem em que foram proferidas. Estão organizadas de modo a formar, tanto quanto possível, um conjunto coerente.
Inicialmente, é preciso observar que o mundo urbano, hoje, é considerado pela Igreja, terra de missão. Isso significa que ocorre uma mudança decisiva nas relações entre Igreja e Sociedade. Esta não se guia por valores cristãos, que, cada vez mais, são postos em pé de igualdade com outros, que têm como referencia o gosto e a satisfação pessoais. A religião, como “sistema” de idéias, valores, verdades, critérios e normas de comportamento, cede cada vez mais lugar, a uma religiosidade vaga, fluída, líquida. E as formas dessa religiosidade se manifestar, obedecem a modismos, são quase sempre efêmeros, passageiros.
A situação não é nova. Foi posta em relevo nos anos 60, quando Harvey Cox publicou “A Cidade do Homem” (The secular city, no título original) Ele salientava como valor central da cidade o anonimato, substituindo as formas de familiaridade e controle presentes na comunidade tradicional (pequena cidade, tribo, mundo rural). O anonimato seria um valor que permite às pessoas a possibilidade de escolher seu “modo de vida”, de guiar seu comportamento por convicções e não por imposição de controles sociais. Os controles sociais visavam “preservar” o mundo tal como existia. Abandonar suas formas de vida, seus valores era “o fim do mundo”, isto é, daquele mundo em que se vivia. Com o anonimato da cidade grande, amplia-se o campo de liberdade, ao tempo em que as ofertas “culturais” se ampliam cada vez mais, dando origem ao pluralismo, inclusive o religioso.
Num certo sentido, isso tudo vem de mais longe. Mais precisamente dos anos 40, quando saíram dois livros significativos. Um deles, “ France, pays de mission” , em que o autor, Andre Godin, alertava para a descrença que começava a se generalizar como atitude de vida das pessoas, num país considerado como filho dileto da Igreja Católica. O outro, de Santo Alberto Hurtado, “Es Chile um pais católico?” preocupava-se com o fato de que o catolicismo não levava a compromissos sociais sérios. Ele mesmo deu exemplo de uma presença diferente com obras sociais significativas, mas que não era a norma de agir de todos os cristãos. A vida religiosa reduzia-se a uma prática sem impacto maior na vida da sociedade.
Com isso quero dizer que os problemas vêm de longe e são profundos. A Igreja soube trabalhar com uma sociedade cristã, ou pelo menos com esse ideal e encontra dificuldades para enfrentar uma sociedade pluralista. Uma sociedade “nova”. O documento de Aparecida diz que passamos de uma época de mudanças para uma mudança de época.
Isso significa dizer que não há receitas prontas, normas de ação definidas. Ninguém as tem. O que existem são experiências pastorais e muita busca, muitas perguntas. E muito aprendizado na troca e intercambio dessas mesmas experiências. Em 2002. o Padre Jose Comblin escrevia:
“...Devemos perder a ilusão de que reflexões pastorais podem oferecer soluções aos problemas da cidade. Não temos solução pronta. O que podemos oferecer são pessoas livres, dedicadas, sacrificadas, com espírito de serviço na aplicação das suas capacidades humanas”.
E não deixava de ser severo:
“O clero deve deixar de pensar que tem todas as soluções, O que tem é o Evangelho, mas comunicar o evangelho não é a preocupação dominante da maior parte do clero na atualidade. Talvez seja esse o maior problema da Igreja na cidade”.
Há que se levar a sério essa “provocação” de Comblin. Não se trata de crítica sem fundamento, menos ainda de uma contestação, mas de uma situação real:
- O clero é também atingido, enquanto clero, pela cultura dominante. Isso quer dizer que sua tendência é a adesão a uma cultura que o Evangelho questiona e que, até certo ponto, constitui o núcleo das análises que são feitas sobre a cidade.
Tomemos um fato indicador: ocorreram quase simultaneamente, na Avenida Paulista, principal avenida da cidade de São Paulo, dois eventos já estão oficializados no calendário da capital paulista- a parada do orgulho gay e a Marcha com Jesus. Pois bem. A parada gay reuniu mais ou menos 2 milhões de participantes, gays ou não gays. A Marcha com Jesus reuniu 2 milhões de pessoas, a maioria absoluta formada por jovens, com expectativa de, no próximo ano, reunir 4 milhões. O que se observa é que as concentrações católicas, em termos numéricos, são cada vez mais inexpressivas.
Este fato constitui uma amostra muito simples de uma mudança social profunda. Exorcizar, demonizar a parada gay? Defendê-la ? Coisa do demônio, da corrupção, da imoralidade? Que ganha a pastoral com isso ? Mais significativa ainda a Marcha com Jesus pelo seu aspecto religioso. Uma união dos evangélicos para mostrar sua força social crescente e, por que não, apontar caminhos diferentes para a convivência social.
Uma condenação (ou aprovação pública e oficial) não leva a lugar algum. No primeiro caso há uma “amostra” de intolerância e discriminação, num mundo que se governa por critérios antropocêntricos e não mais religiosos. No segundo caso – aplaudir – significa perder autoridade: seguir a onda... Imitar o mundo ao invés de questioná-lo.
Esse é mais que um desafio. Constitui, na realidade, um dilema. Existe sempre a tentação de se voltar ou de se sonhar com uma volta ao passado. De se reproduzir modelos antigos, buscando uma instituição forte, capaz de usar o bastão em vez da misericórdia. Essa é uma atitude de condenação em vez de se procurar compreender e propor ideais novos com base no evangelho.
Bento XVI pode-se interpretar, propõe que a Igreja estude e compreenda a realidade do mundo atual e, diante dela, aja em função de ideais baseados no Evangelho. Ele quer qualidade e não quantidade. João XXIII, no discurso de abertura do Concílio Ecumênico Vaticano II, no início dos anos sessenta do século passado, proclamava que se olhasse a história, mestra da vida, e se aprendesse com ela, ao invés de se apresentar como “profeta da desgraça” que só vê na história do mundo, ameaças à Igreja.
É necessário que o cristão católico tome consciência de que há uma situação radicalmente nova, com forte presença de marcas do passado ou que reconduz a certas realidades passadas. Essa situação é complexa demais para caber em normas, receitas, fórmulas feitas. Ela supõe um modo novo de estar presente no mundo, um modo urbano, uma linguagem urbana.
Sintetizando: pastoral urbana não é uma pastoral a mais, uma entre as outras, mas um novo modo de agir pastoral, um modo urbano de “fazer” as pastorais.

MUDANÇA DE ÉPOCA
O uso de expressões como pós-modernidade, fim da história, fim da cidade tornam-se cada vez mais freqüentes. Com relação à cidade, isso quer dizer que ela aparece e desaparece conforme o processo econômico, político, social e cultural se desenvolve. Para construir uma usina hidrelétrica destroem-se cidades, constroem cidades-canteiro de obras e estas também desaparecem. Fim da cidade quer dizer que ela deixa de ser um lugar identificado e identificador, que dá aos habitantes uma experiência de onde estão e do que são na sociedade. Hoje, o lugar cede espaço aos fluxos que movimentam o mundo globalizado.
A cidade e sua forma- centro e bairros, eram definidos menos pela designação oficial e muito mais pelo modo como as pessoas sentiam o lugar- uma profissão, um edifício comercial, uma repartição, um clube, um morador. Tudo isso identificava muito mais um lugar do que nomes e números.
Essa é a razão por que há urbanistas que tentam “recuperar” a cidade como lugar de convivência. Eles valorizam ruas, parques, jardins e calçadões. Querem que as ruas sejam lugar de encontro, mais do que caminho de automóveis. Querem pôr fim ao que se chama de urbanismo de segurança: os ricos se fecham em seus condomínios, as casas se tornam fortalezas e para os pobres, constroem prisões. Os guardas e seguranças estão por todos os lados. A cidade se transforma num lugar de medo e violência.
Mas o que é cidade? A visão que contrapõe cidade e mundo rural precisa ser superada. Precisamos vê-la não apenas como espaço físico, com densidade populacional determinada e como sede de um município definido juridicamente. As cidades são as relações. Uma cidade é o conjunto das relações que se constroem sobre este espaço físico. Essas relações definem a configuração e o sentido simbólico e mesmo identificador que as pessoas têm.
A concepção urbanista da segurança gera situações gera situações antagônicas. Muitos têm vergonha de dizer onde moram. Outros ocultam o lugar em que moram por medo de seqüestros e assaltos.Quem mora no bairro nobre tem uma concepção de si como alguém melhor que os outros. O favelado é visto de forma preconceituosa e discriminatória. Numa linguagem suave, seriam pessoas “perigosas”.
O latim, uma língua muito lógica, usa duas palavras para definir aquilo que entendemos por cidade: civitas e urbs. Civitas é a entidade político-cultural. Designa a forma de associação dos habitantes. Santo Agostinho fala da cidade de Deus como um modo de organizar as relações entre as pessoas, não se referia a “lugar” físico. A religião, no caso, configurava essas relações. Mas estas acontecem dentro de um espaço físico, geográfico delimitado, organizado, construído, murado (como na Idade Média, por exemplo). Esta é a urbs.
O crucial, para a pastoral urbana, é a separação entre civitas e urbs. Há um divórcio progressivo entre a cultura cada vez mais globalizada e o espaço ocupado pelos habitantes. O tempo e o espaço físicos pesam cada vez menos no modo como as relações se organizam. A religião ordenava o espaço. Quem não tinha religião ou praticava aquela diferente dos habitantes desse espaço era considerado estranho. Hoje cada um escolhe a religião que quer. O pluralismo é a marca dessa cultura universalizada
A religião deve responder a problemas e ao gosto pessoal. O lugar em que mora – a paróquia – a pessoa escolhe de acordo com sua vontade e/ou necessidade. Não tem escrúpulos de dar o endereço de um parente ou conhecido para cuidar de documentos ligados à parte sacramental-burocrática. Mudam os critérios para julgar as atitudes religiosas. O homem urbano pensa em termos antropológicos. Para ele, o fato da Igreja não ordenar mulheres, não é problema religioso. Ele vê nisso uma discriminação às mulheres. Estas, por sua vez, também são outra mulher. Com o advento dos anticoncepcionais a mulher é “outra”. Tem um controle maior sobre seu corpo, uma concepção diferente de si, de sua liberdade, de seu lugar no mundo. Claro que isso traz problemas, como por exemplo, o cuidado com os filhos.
Entrar no mercado de trabalho pode “resolver” problemas; mas também pode causar problemas. E não romantizemos: muitas mulheres entraram no mercado de trabalho (nos anos 70, por exemplo) devido à queda salarial dos outros membros da família. O arrocho salarial obriga mais pessoas da família a trabalharem. A imprensa veicula notícias sobre as religiões, buscando criar opiniões e, claro, “vender seu peixe”. Mosrtra um papel negativo da religião como fator de divisões, preconceitos, alimentando discriminações. Mas, ao mesmo tempo, cria outras formas de discriminação, a anti-religiosa.
Ainda ficando nos conceitos – aparentemente desnecessários – mas, na realidade, fundamentais para salientar diferenças entre o que é uma compreensão puramente física, espacial-geográfica da cidade e um modo de vê-la como uma cultura, uma forma de comportamento, vivência de novos valores e para mostrar que o crescimento urbano não é um fato neutro, mas um dado que põe a nu as contradições da sociedade cada vez mais urbanizada. Pensemos na Europa, como entender e explicar a violência “espontânea” nos subúrbios de Paris (jovens incendiando carros sem razão aparente e em ondas sucessivas, quase incontroláveis, pelo menos num primeiro momento)? São filhos de imigrantes das ex-colônias francesas. Nascidos na França são legalmente cidadãos franceses, mas são tratados como “pied-noirs” (pés negros); nem portadores da cidadania de seus pais e nem como franceses. São membros incômodos de uma sociedade para a qual eles não são mais necessários. Isso leva a reações como as que vimos recentemente. Explica o medo que a Europa tem do Islamismo, uma religião que constitui a defesa cultural dos imigrantes rejeitados pelos europeus.
Talvez possamos pensar que o controle rígido dos imigrantes ilegais é um problema apenas de europeus e norte-americanos, mas ainda hoje, há uma forte carga de preconceitos com relação aos nordestinos em São Paulo. Ouvimos às vezes pessoas dizerem que são eles “o problema” de São Paulo. Preconceito e discriminação. Difíceis de suportar. Isso faz com que os pais, ao se aposentarem, voltem para a cidade de origem. Os filhos já estão inculturados na cidade e não acompanham os pais.
Os números sobre o crescimento urbano espantam. 13 das maiores aglomerações urbanas se encontram na Ásia, na África e América Latina. Em 2015 serão 33 megalópoles. Dessas, 27 estarão em países menos desenvolvidos. Só Tóquio estará entre as 10 mais desenvolvidas.
Tudo isso tem uma repercussão pastoral imediata. A cidade, do ponto de vista das teorias, seria uma aglomeração que integra, reúne. No entanto, ela se torna cada vez mais um lugar (e fator) de dispersão, fragmentação e multipolarização. Ela se ramifica. De lugar onde as pessoas se encontram, conversam, têm uma identidade assimilada ao lugar onde vivem, ela se transforma em fluxo, movimento, dispersão. Esse fluxo obedece ao capital internacional financeiro que comanda o desenvolvimento urbano, cria as cidades, as faz crescer e pode, no limite, fazê-las desaparecer. O fluxo financeiro dá-se em torno das chamadas “cidades globais” -Toronto, Nova Iorque, Frankfurt, Paris, Londres, São Paulo.

A PASTORAL URBANA NO DOCUMENTO DE APARECIDA
A pastoral urbana, no documento e nos trabalhos publicados sobre o assunto, tem como enfoque central a busca de um modo urbano de fazer pastoral. Assim, não se trata de mais uma pastoral entre as outras (família, batismo, carcerária). Pastoral Urbana supõe sempre a análise da realidade, forme o método ver-julgar e agir.
Para Aparecida, falar da cidade é falar da sociedade em processo de urbanização, Um processo que atinge diretamente a religião. Ela se torna objeto de reclamação no PROCON. Este fato nunca pode ser isolado das mudanças pelas quais passa a religião. Ela se mercantilizou. Pastores e ministros religiosos prometem bens e não conseguem entregá-los. Pior, são bens já pagos.
Sintetizemos o documento (n.o 21):
- coloca a cidade dentro do processo de passagem da agricultura para a indústria;
- a cidade provoca a concentração de população;
- esta concentração produz as megalópoles (cidade-gigantesca);
- os meios de comunicação de massa “levam” a cidade para os meios rurais.
“A grande cidade moderna favorece o contato com uma pluralidade de experiências e de expressões culturais, multiplicando as possibilidades de escolha do individuo. Este tende a construir a seu gosto a sua própria identidade. Esta não goza da estabilidade e nitidez das identidades do passado. Carece de solidariedade e do controle próprios de comunidades menores. A aceleração das mudanças contribui também para deixar as pessoas estressadas ou desnorteadas. Aqui vemos palavras-chave:
- Pluralidade – pluralismo como valor fundante;
- Possibilidades de escolha por parte do individuo;
- Gosto como critério de construção da identidade;
- Fluidez, liquidez, efemeridade da identidade ( flutuação da identidade);
- Falta de solidariedade e
- controle das comunidades menores.
Essas características estão ligadas à cultura. Na simples enumeração já percebemos o quanto a religião está implicada e como estamos despreparados para lidar com um individuo livre e, ao mesmo tempo, cada vez mais controlado. Essa a contradição: em nome da liberdade pessoal são impostas escolhas, formas de vida e são cada vez mais sofisticadas os meios técnicos de controle da vida pessoal e social.
Ao falar de mudanças (econômicas, políticas e culturais), o Documento de Aparecida coloca como nível mais profundo o cultural. É nesse nível, que se coloca a ação da Igreja. E ai temos:
- Sobrevalorização da subjetividade individual. Nesta, há uma valorização da liberdade e da dignidade da pessoa;
- Transformação radical do tempo e do espaço. Importa viver o aqui e o agora. Há que ser feliz já. A busca da felicidade se impõe como obrigação, quase um peso a mais. Vivo em todos os lugares ao mesmo tempo. Estou conectado. Posso adotar nomes e situações fictícios. O “outro” entra no meu mundo se me interessa. Vive-se o presenteísmo. Maffesoli fala do “instante eterno”. Eu no aqui e no agora como única realidade. Não tem sentido sacrificar a vida por grandes causas, por ideologia, por ideais futuros. Tende-se a esquecer o passado. Tendência também à mobilidade e ao desenraizamento.
- Individualismo: Auto-referência do indivíduo. Indiferença ao coletivo. Não me sinto responsável pelo outro. As relações afetivas não implicam em compromisso. Os verbos utilizados pela juventude= flutuar, zapear, ficar= são muito expressivos dessa situação.
- Passagem do ético ao estético. O bom, o verdadeiro, o certo estão naquilo que me agrada e não estão ligados a valores eternos, transcendentes. Não posso adiar a satisfação dos meus desejos para um futuro que não domino. Dessa forma, a sociedade não tem futuro. Ela se reduz ao mundo das necessidades imediatas.
- Identidade: Palavra chave. Há três questões que a pessoa humana existencialmente responde: quem sou eu? Para onde vou? O que devo fazer?
A religião respondia a essas questões. Ela colocava a pessoa humana no conjunto de suas relações dentro de um universo significativo, de um mundo dotado de sentido. Respondia às inquietações. Fornecia normas para a conduta. Dentro do mistério da vida pessoal e social dava respostas para a pessoa se situar. Agora, no mundo urbano, a identidade se funda no consumo. É nesse sentido que se deve entender a palavra consumismo: é “buscar o que se é naquilo que se consome”.
A religião se torna questão de escolha pessoal, subjetiva. Sinto-me livre para buscar dentro de mim as respostas que preciso para viver. Seleciono e misturo crenças e práticas.
A religião se situa menos como um sentido da História, do mundo pessoal e social e muito mais como resposta situada a problemas situados. Busca-se cura para todo tipo de males. As religiões se multiplicam oferecendo remédio para males econômicos, emocionais, físicos e espirituais. Como reação a isso há a busca de verdades eternas, imutáveis. O mundo é lido com os olhos das palavras da Bíblia (como exemplo); elas não são interpretadas mas tomadas ao pé da letra: “As coisas são asssim porque foram feitas assim por Deus e assim tem que continuar”. Com isso perde-se a ligação entre a Palavra de Deu s e a História, o mundo pessoal e social.

DESAFIOS
O documento de Aparecida põe como desafio realizar a cidade santa pelo caminho da proclamação e vivência da Palavra de Deus. Ela deve ser proclamada, celebrada na liturgia e vivida na comunhão fraterna e no serviço. Este voltado, de modo especial, para os mais pobres.
Pede que se transforme a cidade em fermento do Reino de Deus. Claro, isso é mais um horizonte de ação, uma idealização utópica, mas que tem que se tornar uma meta permanente de ação pastoral. A realidade local – estado, diocese, paróquia – são o campo para se concretizar esse grande ideal, a construção do Reino de Deus. Por isso, buscar entender a realidade onde estamos como Igreja é o primeiro e indispensável gesto de ação pastoral. Ver a realidade, pensar concretamente como responder, aqui e agora, aos problemas de fundo: - ir além da paróquia, o que supõe procurar formas novas de exercício do ministério; fazer nascer comunidades vivas, novas.
O número 517 do Documento de Aparecida traz como pistas/desafios ou desafios/pistas alguns pontos chave:
a) responder à complexificação crescente das relações entre as classes sociais;
b) buscar novas experiências, estilos e linguagens encarnadas na realidade;
c) uma espiritualidade que tenha marcas relacionais, não apenas intimistas do tipo “eu só e Deus”;
d) transformar as paróquias em comunidade de comunidades;
e) buscar criar comunidades ambientais, ligadas, sobretudo a profissões, cujo exercício é cada vez mais complicado do ponto de vista ético-moral (medicina e direito, por exemplo). Isso supõe pessoas qualificadas pra haver um encontro entre o que exige a fé e o que o profissional sabe e faz. Como falar de Deus a um biólogo se eu não entendo nada de biologia?
g) integração de todos os níveis de expressão da fé. O texto não explica claramente, mas dá a entender que a liturgia e a vida familiar, profissional, a participação na vida da sociedade (política) devem estar integradas;

h) FORMAÇÃO: a meu ver, o item principal- Primeiramente, há uma procura cada vez maior por formação. Em segundo lugar, as respostas prontas não dizem nada para quem busca seriamente viver os desafios da fé. Em terceiro lugar, o mundo urbano é plural. Há disputas e opiniões de todo tipo. A questão se torna ainda mais difícil quando se trata de atingir o mundo dos jovens. Não basta opinar. É preciso ter o que falar.
- Acolhida: Deve ser a atitude da Igreja. Acolher os que chegam à cidade. Buscar os que estão longe da Igreja. Visitar as casas (cuidado, o homem urbano não é muito de abrir sua casa ao proselitismo religioso). O documento se refere às dificuldades de penetrar em condomínios de luxo, nas comunidades dos morros (favelas). No caso, é preciso atuar pastoralmente a partir de pessoas que já moram nesses lugares.
- Cuidado com os caidos à beira do caminho: prisões, hospitais, dependentes químicos, moradores de ocupações exigem um cuidado pastoral privilegiado. Priorizar o atendimento ao sofrimento humano!!!
- Integração: O plano de pastoral é visto como um meio de integrar as várias pastorais. A própria paróquia enquanto território delimitado canonicamente deve integrar no seu trabalho as comunidades de vida religiosa e os movimentos. As dioceses que têm proximidade geográfica devem buscar integração entre si. Para integração maior é necessário dividir a paróquia por setores menores, integrados por uma pastoral comum.
E´ preciso descentralizar os serviços eclesiais.

Para concluir, há muita coisa que foi comentada nas palestras e que está implícita no que está escrito aqui. Deve-se levar em conta que cada realidade tem aspectos próprios e que nem tudo o que foi escrito e conversado nas palestras acontece da mesma forma em todos os lugares. Daí que seja necessária uma boa discussão (em grupos, por exemplo) do conteúdo aqui resumido."

Padre Luiz Roberto Benedetti

sexta-feira, julho 2

O PEQUENO CAIXA DO LONDON BANK

Essa quem me mandou foi o parente Omir Faria. Caboclo de Parintins, médico dermatologista dos bons. Ele leu aquela crônica do velho Raul- que saiu numa carreira desembestada, de bordo do navio Rosa da Fonseca, quando um gringo agradeceu a gentileza do Bené, filho do seu Raul, com um sonoro “tank you very much”. E o velho traduziu o “ingrês”, pela sonoridade: tranca esse velho e mata!
Pois bem, o Omir me fez lembrar outro episódio hilário, lá da nossa Parintins, nos anos sessenta do século passado. É isso aí, minha gente. Como dizia o recém-falecido José Saramago, em sua crônica A Bagagem do Viajante, “A gente não fica velho. É o tempo que insiste em passar”
O episódio foi a troca de pavulagens entre o Caixinha e o Azacler. Caixinha, apelido ganho em razão da altura do portador. Também lhe aplicaram outros epítetos, como chiclete Adams, salário mínimo ou leão de chácara de festa infantil. Quando provocado por sua reduzida estatura, ele lembrava que “é nos pequenos frascos que se colocam os grandes perfumes”. É. Ele só não lembrava que isso também acontece, quando vamos fazer exame de fezes.
Mas o Caixinha, que estava mais prá pávulo do que prá abestalhado, depois de ser de tudo na vida, desde vendedor de secos e molhados, acabou virando jornalista pela prática, em Manaus. Percorreu a trajetória comum aos repórteres. Foi “foca”, copidesque, cobriu polícia, câmara dos vereadores, assembléia legislativa, enfim, de papel e caneta na mão, literalmente, não enjeitava serviço. Mas a convivência foi-lhe aproximando das pessoas do dito mundo social, tanto assim, que lhe foi oferecido espaço para uma coluna. Foi aí que ele deitou e rolou e tirou proveito da magnitude liliputiana, como diria o Lúcio Flávio Pinto, de sua estatura. Nos anos sessenta, muito twist e rock’n roll, os Beatles e os Rolling Stones fazendo sucesso, ele traduziu seu apelido para o inglês, com que assinava sua coluna.
Certa feita, o Caixinha estava em Parintins, para mais uma de suas promoções sociais. Depois do sucesso do evento, ele, como bom jornalista, após uma noitada boêmia, amanheceu no mercado municipal, tomando mingau de banana e café com tapioquinha. Conversa vai, conversa vem, foi quando pintou no pedaço, outro caboclo pávulo, o Azacler. Depois de muitas linhas cruzadas entres os participantes daquela conversa cordial de fim de farra, o dia já amanhecendo, eis que o Caixinha, contendo o compreensível bocejo, estende a mão pro Azacler, imposta a voz e capricha :
- Foi imenso o prazer ter confabulado com você, ilustre filho desta terra de Tupinambarana. Você está diante do Little Box.
- Satisfação, London Bank.- Responde o Azacler, cuíra com aquela pavulagem desnecessária, encarando a minúscula figura do Caixinha.

Octavio Pessoa - advogado e jornalista, auditor federal de controle externo

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sábado, junho 19

APLICAÇÃO E ABRANGÊNCIA DA LEI FICHA LIMPA

Após a sanção pelo presidente Lula, permaneceram controvérsias sobre a aplicação e a abrangência da Lei Ficha Limpa.
Na sessão do dia 10, o Tribunal Superior Eleitoral, decidiu pela aplicação da Lei Complementar nº 135, de 4.6.2010, às eleições deste ano. Na discussão entre os ministro do TSE, prevaleceu a tese de que a Lei Ficha Limpa foi aprovada antes das convenções partidárias em que são lançadas as candidaturas, não mudando o processo eleitoral, não sendo assim, necessário esperar-se um ano para se iniciar a aplicação da Lei.
Nesta última quinta-feira, o TSE decidiu que a nova Lei vale para todos os políticos que foram condenados por colegiado, mesmo que a punição tenha ocorrido antes de 4 de julho, data da entrada em vigor da Lei.
Prevaleceu a tese do relator, ministro Aranldo Versiani, de que as condenações devem ser verificadas no momento da formalização do registro da candidatura. É irrelevante o tempo verbal usado pelo legislador. A lei atinge quem, no momento da formalização do registro da candidatura, incidir em alguma causa de inelegibilidade. Essa controvérsia sobre o tempo verbal decorreu de uma “emenda de redação” de autoria do senador Francisco Dorneles, alterando de os políticos que “forem condenados em decisão...”, para os políticos que “tenham sido condenados...”, o que pôs em dúvida quanto ao alcance da lei sobre os processos em curso na Justiça.
Os ministros concluíram que a Lei Ficha Limpa seria inócua, caso fosse aplicada apenas às condenações posteriores à sua promulgação. Como da decisão que denegar o registro de candidatura, cabe recurso, é possível que a decisão final ocorra no âmbito do Supremo Tribunal Federal.

segunda-feira, maio 31

O MEU SÓCIO DO PIAUÍ

Advogado, jornalista e servidor público, já fui locutor de rádio, sócio cotista de produtora de vídeo e empregado de firmas comerciais. Só não imaginava um dia tornar-me um financista.
Eu e minha esposa, anos atrás, fomos conhecer o delta do Parnaíba. Estivemos em Luiz Correia e Parnaíba, as únicas cidades litorâneas dos sessenta e seis quilômetros de costa do Piauí. Na realidade, pelo que soube, aquela região pertencia ao estado do Ceará, que vendeu ou permutou com uma parte da região de Crateús, para proporcionar ao Piauí, uma costa, um litoral.
Negócio excelente para os piauienses. Para mim, aquele é um dos mais belos trechos da costa brasileira. Parnaíba com suas exóticas lagoas, dunas, ilhas e ilhotas, especialmente a de Santa Izabel, com sua praia da Pedra do Sal, com uma “coroa” de calmaria, onde pescadores tiram o seu sustento e outra de grandes ondas, paraíso dos surfistas. Luiz Correia, com suas praias de águas mornas. Algumas praias agitadas, como a do Atalaia, onde os turistas se concentram. Outras mais tranquilas como a do Coqueiro e a antiga vila dos pescadores. Era assim, pelo menos quando lá estivemos.
Foi numa época de baixa temporada. Salvo engano, numa Semana Santa. Chegamos certa manhã, juntamente com um casal amigo, à única barraca que tinha alguém para nos atender. A praia estava realmente deserta. Fomos efusivamente recebidos, como os nordestinos sabem fazer.
O sol foi subindo e o mar nos provocando a entrar naquelas águas tropicais. Só havia um problema. Onde deixar nossas coisas, inclusive carteira com dinheiro, já que havíamos caminhado desde o hotel, até a praia? Não estávamos de carro.
Foi aí que me ocorreu uma idéia. Abrir o jogo pro barraqueiro e confiar na sua honestidade. Conferi o dinheiro na frente dele e pedi que ele guardasse as coisas de todos nós, inclusive a carteira. Antes de seguirmos, escolhemos no cardápio, o prato do nosso almoço. De boa política, prestigiarmos nosso anfitrião. Assim, relaxamos e fomos curtir aquele mar maravilhoso.
Lá pelas tantas, retornamos esfomeados, para a barraca. A recepção foi maior ainda, para nós que continuávamos, até então, como únicos clientes. Mesa arrumada, comida servida, brega tocando na rádio AM, degustamos com sofreguidão, peixes, camarões, caranguejos, buchada de bode, tudo regado a caipirinha e cerveja.
E haja salamaleques do barraqueiro. Chamava-me atenção aquele excesso de cortesia. Chegada a hora da conta, pedi a carteira e aí, começaram as explicações.
- Doutor, sabe como é. A gente “estávamos” sem capital de giro prá lhe atender, mas a gente não podia deixar de atender o seu pedido. Então, tomamos emprestada uma graninha do senhor. A gente não ia incomodar o senhor, nesta manhã que Deus reservou só para vocês. Aí, a gente “abrimos” a sua carteira e tirou apenas o necessário, parfa lhe atender..
Refeito do susto, tomei mais uma e não perdi a piada: - Então agora, eu sou seu sócio? Muito prazer. Virei agora, o financiandor do seu negócio.
Ele entrou no clima de humor e, na maior naturalidade, prosseguiu:
- Doutor, sabe como é. Aqui, o maior “pobrema” é o capital de giro. Mas fique tranquilo. Pode conferir. O senhor me emprestou apenas trinta e três reais, para a gente “comprarmos” os produtos. O restante do seu dinheiro está todo aqui dentro [me entregou a carteira]. E tem mais, doutor, não vou lhe cobrar o serviço e ainda vou fazer um desconto especial.
Ele desviou o olhar de mim e, com os olhos perdidos no horizonte, girava um braço em torno do outro e falava prá ele mesmo - Agora é só girar o capital.
Não me contive e dei uma sonora gargalhada, deixando perplexos os circunstantes.
- OK, meu camarada. Sua comida é ótima e eu estou satisfeito. Você usou só o dinheiro necessário prá alavancar o seu negócio. Parabéns! Continue girando o capital.
OCTAVIO PESSOA
Advogado, jornalista e auditor federal de controle externo.
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APROVADO O "FICHA LIMPA", QUAL O PRÓXIMO PASSO?

A aprovação pelo Congresso Nacional, do primeiro projeto de lei de iniciativa popular no Brasil, o “”Ficha Limpa”, foi uma vitória da cidadania brasileira.
Uma iniciativa do Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral- MCCE, que é a articulação de quarenta e quatro entidades da sociedade civil brasileira, o “Ficha Limpa” vai alterar a Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990, a Lei das Inelegibilidades. Tudo agora está nas mãos de Lula, a quem compete sancionar o projeto, tornando-o uma lei.
Pela nova lei, não poderão se candidatar os condenados por crimes contra a economia popular, a administração pública, o patrimônio privado e o meio ambiente e os crimes previstos na legislação anterior, como os eleitorais e o tráfico de entorpecentes. O prazo de inelegibilidade passa a ser de oito anos e a grande novidade é que uma decisão judicial colegiada ainda não transitada em julgado (irrecorrível) poderá inviabilizar uma candidatura ou, se eleito o candidato, o exercício do mandato político. A dúvida quanto à aplicabilidade da nova lei às eleições deste ano, propósito do projeto, será uma decisão da Justiça Eleitoral.
A aprovação no Congresso, como era de se esperar, foi tensa e difícil. Até porque a nossa elite dominante e as forças conservadoras apostaram inicialmente no insucesso da iniciativa. Quando “caiu a ficha” quanto aos efeitos da mobilização social, esses setores relutaram em aceitar, temendo pelo fim dos privilégios mantidos pelo corporativismo dos congressistas. O projeto, acompanhado das um milhão e trezentas mil assinaturas exigidas pela Constituição Federal (1% do eleitorado brasileiro), foi entregue, na Câmara Federal, em 29 de setembro do ano passado. Excluindo-se o mês do recesso parlamentar, foram seis longos meses de indecisão quanto à inclusão do projeto em pauta, como matéria de tramitação prioritária.
O importante é que, a cidadania mobilizou-se pela Internet, para conseguir as assinaturas necessárias, num primeiro momento, e depois, na pressão sobre os parlamentares para a aprovação do projeto.
Estabeleceu-se entre os cidadãos mobilizados um clima de crowdsourcing, fenômeno que se dá entre pessoas que se utilizam da Internet, para criar conteúdo, resolver problemas e até trabalhar em projetos de pesquisa e desenvolvimento. Jeff Howe, em sua obra “O Poder das Multidões – porque a força da coletividade está remodelando o futuro dos negócios”, ressalta que, embora o crowdsourcing esteja mesclado com a Internet, sua essência não é a tecnologia, mas os comportamentos humanos que a tecnologia engendra, especialmente porque a Internet tem o potencial de interligar a massa da humanidade em um organismo próspero e infinitamente poderoso. “O crowdsourcing pinta um retrato lisonjeiro da raça humana”, diz Jeff.
O crowdsourcing é um conceito próprio das redes sociais distribuídas- aquelas em que, pessoas com interesses em comum utilizam a Internet como instrumento, para a troca de conhecimentos e a busca de resultados. Numa rede social distribuída, todas as pessoas, que são os nodos da rede, estão num mesmo plano, podendo cada uma delas interagir com cada uma das demais, inexistindo qualquer ordem hierárquica entre elas. Conheça mais sobre o assunto, acessando o site da Escola de Redes, http://escoladeredes.ning.com/.
A mobilização da cidadania brasileira alcançou resultado. O projeto aprovado, tornando-se lei, será um passo decisivo para a depuração do Congresso Nacional. Os péssimos parlamentares, especialmente os que, através da compra de votos, conquistam um mandato popular para se protegerem das punições dos crimes que cometeram, passarão a ter menos espaço para continuar na “política”. E lideranças éticas e comprometidas com as questões cruciais da Nação, poderão encontrar motivação para vida pública, nos parlamentos.
A vitória, no entanto, nos coloca diante de uma questão: qual o próximo passo? Qual a nova meta dos cidadãos que nos mobilizamos em torno do projeto “Ficha Limpa”? O que não devemos é nos dispersar.
A rede de mobilização global AVAAZ.ORG, “o mundo em ação” (www.avaaz.org), já realizou pesquisa nesse sentido e levantou os diversos temas que merecem nossa atenção e mobilização. Já está em curso uma nova campanha. Dessa feita, em favor da preservação do Código Florestal brasileiro, que está em risco descaracterização, para se dizer o mínimo, no Congresso Nacional.
Se quisermos “acabar com a brecha entre o mundo que temos e o mundo que queremos”, vamos manter nossa mobilização em torno da nova meta e de outros desafios futuros.

OCTAVIO PESSOA
*Advogado, jornalista e auditor federal de controle externo.
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sexta-feira, maio 14

U$ 1 MILHÃO, PARA QUEM

ERRAR: em que país aconteceu tudo isto num único dia:

Squete 1:

1. Uma senhora comerciante, que teve seu celular clonado, vai à polícia registrar ocorrência.
2. Dentro da delegacia, ladrão "pede a sua bolsa".
3. A senhora reage e é espancada pelo ladrão.
4. Ela atira a bolsa para trás do balcão de atendimento.
5. O ladrão pula o balcão pega a bolsa da senhora e vai embora tranquilamente
6. Policiais assistem passivamente, o assalto e a violência.

Squete 2:

1. No mesmo momento em que a justiça especializada julga processo por campanha antecipada do partido do governo, a candidata oficial repete o programa em cadeia nacional.

2. Justiça especializada proíbe propaganda antecipada.... no próximo semestre.

Squete 3:

1. Ex-procuradora, após 8 (oito) dias de "fuga" em que sempre esteve no "distrito da culpa", "resolve se entregar" e vai para prisão especial.

2. O crime da ex-autoridade com cara de bruxa má: torturar uma criança que lhe foi entregue para "adoção".

3. Pelo que consta, não é a primeira vez que lhe entregaram uma criança, nem se tem notícia de questionamento quanto à decisão de confiar-lhe a última criança para "adoção".

Dica para você errar:

O país já foi chamado de país da piada pronta.

quinta-feira, maio 13

FICHA LIMPA. SÓ O COMEÇO

Amigos,

Com a aprovação do projeto Ficha Limpa, na Câmara dos Deputados, nós brasileiros que assinamos o projeto, demos uma demonstração de uma força em que muitos não acreditavam. Foi a maior campanha online na história do Brasil. Milhões de assinaturas, milhares de mensagens enviadas e ligações feitas, tornando o impossível, possível e assumindo o controle de nossa democracia.
O que ocorreu foi apenas o começo. Nossa meta agora, é a aprovação no Senado e depois, a sanção pelo Presidente da República. Fiquemos atentos e vamos manter a pressão sobre os senadores e o presidente da república, para que a lei não seja enfraquecida nem mudada.
Não esqueça: Se correr, o bicho pega; se ficar o bicho come. MAS SE UNIR, O BICHO FOGE. Vamos banir a corrupção do Brasil.

segunda-feira, maio 10

Dia das Mães

Além das finalidades declinadas, este blog, como qualquer outro, é também meu diário virtual. Pois bem, então vamos lá.
No dia 14 de agosto do ano passado, ganhei mais uma intercessora por mim junto a Deus, com a partida de minha mãe, Yolanda, desta dimensão para a dimensão eterna. Por esta razão, este ano, eu e minha esposa, Celeste, decidimos não fazer nada em nossa casa, onde sempre se festejou o Dia da Mães, reunindo as duas famílias.
Viemos para São Paulo, onde encontramos nosso filho, Rodrigo Octavio e participamos de festas junto a familiares, tanto do lado dela, quanto do meu.
Sábado, foi a festa antecipada no apartamento do Etevaldo Coutinho, médico ortopedista e marido da Celina, irmã da Celeste. A Celina, dentre tantas outras habilidades, é uma cozinheira de "mão cheia". Foi um almoço de arrasar, que contou com a presença também de familiares do meu lado: o Américo Neto que, como o Etevaldo, é médico, só que nefrologista, e sua esposa Ester, minha irmã Maria José (mãe do Américo, que além de meu sobrinho, é também meu afilhado)e o sobrinho Marcelo.
Ontem, domingo, o festejo foi no novo AP do Américo, no limite de Perdizes com o Sumaré. Maravilhoso e confortável apartamento. E o churrasco feito na churrasqueira da sacada do apartamento foi "de primeira". Com participação de meus familiares e familiares da Celeste. Foi ótimo!

Fiquei satisfeito porque com a nossa passagem, provocamos maior aproximação entre familiares dos dois lados que moram ou estão de passagem por São Paulo.

O Rodrigo já foi para o Rio, onde ele mora e trabalha. Seguiremos para lá, amanhã. Vamos festejar o aniversário dele, que é no dia12.

P.S = No almoço no apartamento do Etevaldo, estava também o Orsini, amigo do Rodrigo e porf tabela, nosso amigo. Mas eu desconfio que não era ele. Era o avatar dele, tão diferente ele está.

P.S 1- Outra participação especialíssima, no almoço do Américo, foi a da Maytê, minha sobrinha que veio para Sampa, ser advogada da Ambev. Vamos continuar tomando muita cerveja da "boa". Assim como foi a presença da Laura Cristina, seu marido Maurício e a princezinha Sofia e o tio Carlos Eduardo.

UM VIVA ÁS MÃES.

quinta-feira, maio 6

Transparência na Administração Pública – Os Efeitos da Lei Complementar 131/2009

Todos os municípios com mais de 100 mil habitantes, além da União, dos Estados e do Distrito Federal, estão obrigados a ter o seu Portal da Transparência, a partir de 28 de maio deste ano. Na data, completa um ano da publicação a Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de 2009.

Essa Lei Complementar acrescentou dispositivos que determinam a disponibilização, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, à Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 200, mais conhecida como Lei de Responsabilidade Fiscal. Que estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal e dá outras providências.

A mencionada obrigatoriedade decorre do inciso I do Artigo 73-B, introduzido pelo Artigo 2º da LC 131/2009, na LRF. Mas a obrigatoriedade não pára por aí. A partir de 28 de maio de 2011, ela se estende aos municípios que tenham entre 50 mil e 100 mil habitantes (inciso II). E a partir de 28 de maio de 2013, os municípios de até 50 mil habitantes terão que ter o seu Portal da Transparência (inciso III).

Os instrumentos de transparência e gestão fiscal são definidos no artigo 48 da Lei de Responsabilidade Fiscal. Na redação original, seu parágrafo único rezava que “A transparência será assegurada também mediante incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e de discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos”. Pela redação introduzida pela LC 131/2010, o conteúdo do parágrafo único foi explicitado em 3 incisos.

Passou a rezar o parágrafo único do Artigo 48 que a transparência será assegurada também mediante: I- incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, leis de diretrizes orçamentárias e orçamentos; II- liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso ao público; adoção de sistema integrado de administração financeira e controle, que atenda a padrão mínimo de qualidade estabelecido pelo Poder Executivo da União e ao disposto no artigo 48-A.

O Artigo 48-A preconiza que, para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do artigo 48, os entes da Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: I-Quanto à despesa: todos os atos praticados pelas unidades gestoras no decorrer da execução da despesa, no momento de sua realização, com disponibilização mínima dos dados referentes ao número do correspondente processo, ao bem fornecido ou ao serviço prestado, à pessoa física ou jurídica beneficiária do pagamento e, quando for o caso, ao procedimento licitatório realizado; II- quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a recursos extraordinários.

Pelo Artigo 73-C, se até 28 de maio de 2011, os municípios com população entre 50 mil e 100 mil habitantes, e até 28 de maio de 2013, os que tenham até 50 mil habitantes, não criarem seus Portais da Transparência, eles sofrerão a sanção prevista no inciso I do § 3º do artigo 23 da LRF - não poderão receber transferências voluntárias.

Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para denunciar ao respectivo Tribunal de contas e ao órgão competente do Ministério Público, o descumprimento da Lei. É o que dispõe o Artigo 73-A introduzido na Lei de Responsabilidade Fiscal pela Lei Complementar nº 131/2009.

Exerça sua cidadania. Fiscalize. Denuncie. Replique esta informação.

Octavio Pessôa – advogado, jornalista e auditor federal de controle externo

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O Salvagé é Que Estava Certo!

O educador e cronista Rubem Alves, no livro “Ostra Feliz Não Faz Pérola”, ao abordar o tema religião, aponta a gritante contradição entre os presentes que damos às pessoas amadas e os que oferecemos a Deus. Para a pessoa querida, diz ele, a gente pensa antes de comprar. Seja uma flor, um CD, um brinquedo ou um livro. Queremos sempre agradar o presenteado.

Para seduzir Deus, nas promessas que lhe fazemos, usamos o artifício “Se me deres o que eu peço, eu te darei aquilo de que gostas”. O que a pessoa promete manifesta o pensamento dela a respeito do caráter de Deus, prossegue o cronista, para questionar em seguida: por que não fazemos promessas do tipo vou ler poesia meia hora por dia? Vou ouvir música ao acordar? Vou brincar uma hora com meu filho? Não. As promessas feitas a Deus são sempre de sofrimento- fazer caminhadas de joelho, passar seis meses sem beber refrigerante, fazer jejum, e por aí vai. Pergunta então Rubem, é o nosso sofrimento que faz Deus feliz? Que Deus sádico é esse? E então, faz questão de esclarecer: se alguém blasfema, não é quem faz essas perguntas, mas “quem promete a Deus casca de ferida”.

Achei o máximo essa reflexão de Rubem Alves. E, recordando minha infância, passei a não ter dúvida de que o Salvagé é que estava certo.

Salvagé era o capataz das propriedades de meu falecido pai. Era um homem simples e rude, um vaqueiro do tipo que hoje não mais se vê. Conhecia a região como a palma da mão dele. Tirava até a tipuca (o segundo leite) das vacas leiteiras, a quem ordenhava, chamando cada uma pelo nome. Vaquejava gado como ninguém. Quando cansava a mão direita, usava a canhota para laçar os animais. Amansava poltros e ainda contava causos aos demais vaqueiros e a quem quisesse ouvir, nas prosas noturnas.

Certa feita, ele levava um rebanho do sítio São Joaquim pro retiro Santa Rita, no lago do Macaco. No meio do caminho, uma novilha se afastou da manada. Ele ordenou ao Roxo Zuada, seu auxiliar, que prosseguisse tocando o rebanho e saiu em perseguição à fujona.

A rês, que parecia possuída pelo demo, embrenhou-se pela mata de igapó e fez o valente Salvagé suar mais do que de costume. O sol já se punha no horizonte, quando arriou um temporal daqueles. O céu escureceu. Depois de muitos raios e trovoadas, arriou aquele toró. Mas ele não desistiu de sua meta- recapturar o animal. Homem de fé, se pegou com Deus e São “Binidito”.

Já era noitinha, quando ele chegou com a novilha arrastada pelo chifre. Agradeceu os aplausos com um gesto largo e fez questão de dar umas lambadas no trazeiro da cuirona que pôs em risco sua liderança, tocando-a para dentro do curral. Salvagé se impunha aos demais peões pelo exemplo.

Peãozada reunida em noite estrelada de verão, a conversa era uma só: a trabalheira que o Salvagé tivera para recapturar a novilha e a sua bravura. Roxo Zuada dizia: - Vá pílula, parente! Sigo esse caboco até de baixo dágua.

Foi aí que o Salvagé anunciou que precisava cumprir uma promessa. Começou a tomar cachaça. Foram três garrafas de Tatuzinho, tirando gosto com queijo de coalho, lingüiça e farinha baguda. Madrugada alta, os peões já meio “calibrados” e o valente Salvagé ainda contando causos e causos. A certa altura, ele parou e afirmou que beber três garrafas de Tatuzinho era apenas a primeira parte da paga da promessa que fizera. Precisava cumprir a segunda parte.

Deu uma piscada pros peões com um sorriso maroto, pediu licença e se dirigiu prá casa, onde Raimundinha, a mulher dele já estava escanchada, esperando por ele. Foram três dias seguidos que o casal só saía do quarto prá tomar gemada. Era quando Salvagé dava ordem pros outros vaqueiros. No amanhecer do quarto dia, eles finalmente deram o ar da graça, pro restante do pessoal. Raimundinha estava mofina (fraca, pálida). Salvagé foi pra beira do curral, tomar leite mugido.

Nove meses depois, ouviu-se o choro alto de mais uma cunhantãzinha, morena de olhos gateados. O nome não podia ser outro: Maria de Deus. Ela completou a felicidade do casal e se tornou a alegria da família e da fazenda.

É isso aí, Rubem Alves, você me fez entender que o Salvagé é que estava certo.

Octavio Pessôa - advogado, jornalista e auditor federal de controle externo

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O Controle Externo – Atividade de Estado, Ação Cidadã (Publicado no Diário do Pará, de 21/10/2009)

Nunca o Tribunal de Contas da União esteve tão evidente na mídia. As campanhas movidas contra ele compreendem-se pelo adágio “ninguém chuta em cão morto”.
O TCU passa por irreversível processo de aprimoramento, há algum tempo. As últimas gestões investiram massiçamente no avanço tecnológico, na renovação e qualificação de seus quadros e no aperfeiçoamento institucional.

Quinhentos novos servidores entraram no Tribunal, desde 2002, via concurso público. Em grande parte, jovens da chamada Geração Y- a que brincou em videogames e computadores. Formados nas melhores escolas brasileiras, buscam resultado em suas ações.

Pelo convênio firmado com a Fundação Dom Cabral e apoio da Pricewaterhouse Coopers, o TCU adotou o modelo de gestão de pessoas por competência, realizou seu Balanced Scorecard, analisando sua realidade, projetando a desejada e aperfeiçoando seu Plano Estratégico. Junto com especialistas, mapeou e validou o perfil profissional de seus gerentes e as competências técnicas dos servidores. Secretários e diretores passaram a submeter-se ao Programa de Liderança e Gestão Sustentável e todo funcionário, ao Programa de Desenvolvimento de Competências Técnicas.

Esse é o TCU que busca cumprir sua missão institucional de zelar pela regular aplicação dos recursos públicos em benefício da sociedade, lutando pelo melhor uso do meu e do seu dinheiro.

O relatório das obras fiscalizadas pelo TCU com indícios de irregularidades, que subsidia a decisão do Congresso quanto à inclusão de obras na próxima Lei Orçamentária Anual, colocou o Tribunal na “linha de fogo” do governo. Este, com evidentes sintomas de TPE – Tensão Pré-Eleitoral, viu pretensão de determinar-lhe o que fazer ou não fazer. Não é assim.

O Tribunal, diante de irregularidades graves, pede informações ao gestor e adota todas as medidas para não prejudicar o andamento e só em situações extremas recomenda a paralisação de obras. O bloqueio só é proposto quando há indícios de irregularidade grave, como prejuízo aos cofres públicos ou de terceiros, nulidade em procedimento licitatório ou desvio a princípios, como o da moralidade. Se cumpridas as determinações do TCU, contratos bloqueados podem ser liberados para receber recursos públicos, mas há gestores que não as cumprem, preferindo o uso de infindáveis recursos, protelando a conclusão dos processos.

Causou particular incômodo ao governo federal, a ação do TCU sobre obras do Programa de Aceleração do Crescimento – PAC. Em R$ 25 bilhões de recursos orçamentários, 99 obras foram fiscalizadas, recomendando-se a paralização de 13 por indícios de irregularidades graves e 17 tiveram retenção cautelar de pagamento.

Os auditores federais de controle externo são profissionais comprometidos com a cidadania. O TCU é uma Instituição de Estado, não um órgão de governo. Os relatórios dos auditores passam por um Ministério Público especializado. O atual presidente, ministro Ubiratan Aguiar, em recente entrevista à Folha de São Paulo, perguntado quanto à presença de ex-parlamentares entre os ministros julgadores, disse que seria útil que a imprensa mobilizasse a sociedade, para que a OAB e outras entidades passem a indicar nomes de ministros do TCU. A Constituição diz que o Congresso sugere nomes, não necessariamente de deputados e senadores.

A jornalista do Valor Econômico, Rosângela Bittar, no artigo “Governo quer liberdade total” diz que seria risonho o mundo do governo, sem o TCU. E que as campanhas movidas pelo Executivo são para evitar avaliações incômodas sobre a ação de gestores que querem sempre a unanimidade a seu favor. E as do Legislativo, por ver na ação do TCU “golpe da transferência de poder que imaginam ter ocorrido quando o TCU passou a dar a última palavra sobre as obras que poderiam ou não ser contempladas no orçamento”. O objetivo, segundo a jornalista, seria tentar enquadrar o TCU, ante as eleições de 2010.

Octavio Pessôa - advogado, jornalista e auditor federal de controle externo
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(Publicado no Diário do Pará, de 21/10/2009)